Prefeitos urbanistas do século 20 moldaram a cara e o debate da São Paulo atual



São Paulo, que completa 460 anos neste sábado (25), só se tornou a maior cidade do país em meados do século 20, época em que o destino da metrópole foi traçado sob a influência de dois prefeitos urbanistas.
Contemporâneos, mas com propostas antagônicas, Anhaia Mello e Prestes Maia tiveram oportunidades – muito desiguais – de comandar a administração municipal, exerceram influência sobre outras gestões e travaram um embate que durou quase 30 anos.
Francisco Prestes Maia (1896 – 1965) tornou-se prefeito nomeado em 1938 e ficou no cargo até 1945, no período do Estado Novo. Governou com a Câmara Municipal fechada e conseguiu tocar diversas obras previstas em um estudo de sua autoria, conhecido como Plano de Avenidas, publicado em 1930.
Depois, eleito, voltou a comandar a administração municipal de 1961 a 1965. “Prestes Maia tem uma importância muito grande para o que São Paulo tem de bom e de ruim atualmente. A organização e o caos da cidade foram propiciados pela implantação do Plano de Avenidas”, afirma o historiador Cláudio Hiro Arasawa, professor do Instituto Federal de São Paulo e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP. “Era um plano viário que não previa como controlar o uso e a ocupação do solo”.
“Prestes Maia propôs a construção de avenidas perimetrais e radiais, o que favoreceu o crescimento progressivo e ilimitado da cidade”, diz o arquiteto e urbanista Renato Anelli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.
As perimetrais formam anéis em torno do centro e coletam o tráfego das radiais, que ligam a área central aos bairros. Para desafogar o trânsito próximo ao marco zero da cidade, Prestes Maia formou um perímetro em torno da praça da Sé. Promoveu desapropriações, transformou ruas em avenidas e construiu viadutos para formar o anel das avenidas Rangel Pestana, Mercúrio, Senador Queirós, Ipiranga e São Luís, acrescido de vias como o viaduto Jacareí e a rua Maria Paula.
Prestes Maia também priorizou a retificação do rio Tietê e a abertura de avenidas como a Nove de Julho e 23 de Maio, alargou e asfaltou inúmeras vias.
Seus projetos exerceram influência sobre as gestões seguintes. Segundo Anelli, até o fim da primeira passagem de Paulo Maluf pela prefeitura (1971-1973), “todas as ações feitas em São Paulo seguiram as principais diretrizes do Plano de Avenidas, os traçados foram mantidos. Houve apenas uma mudança de conceito, de avenidas para vias expressas”.
O plano de Prestes Maia privilegiava o carro e, segundo Anelli, os deslocamentos de longa distância. Como não havia a preocupação formal com a formação de subcentros na cidade, o crescimento da frota logo colocou a perder todo o esforço feito para abrir avenidas.
“O trabalho dele [Prestes Maia] foi rapidamente superado pela história. Fez água muito rápido. Foi um Titanic”, diz o arquiteto e urbanista Marco Lagonegro, professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, lembrando que no começo dos anos 60, no segundo mandato de Maia, o trânsito já era novamente caótico na região central, o polo que atraía mais viagens na cidade.
Pressionado, tomou na ocasião iniciativas para preparar a cidade para a construção do metrô. Reservou, por exemplo, o canteiro central da 23 de Maio para a implantação de uma linha Norte-Sul. No entanto, não conseguiu reunir recursos para iniciar a obra do sistema.
Luiz Inácio de Anhaia Mello (1891 – 1974) ocupou o cargo de prefeito de São Paulo antes de Prestes Maia. Nomeado, comandou a administração por dois períodos curtos entre dezembro de 1930 e dezembro de 1931. No entanto, consolidou-se como figura influente nos bastidores e como acadêmico.
Anhaia Mello se inspirou em modelos de planejamento e controle do crescimento das cidades. Lagonegro diz que Anhaia via o urbanismo como um instrumento para reconciliar o homem e a natureza e atacar os problemas da cidade industrial. “O urbanismo deveria desarmar a bomba (das cidades), a monstruosidade que se volta contra o próprio homem”.
Anhaia Mello defendeu o zoneamento urbano, o uso social da propriedade e propôs normas para regulamentar o uso e a ocupação do solo. São propostas que ecoam no Estatuto das Cidades, aprovado em 2001, 27 anos depois da morte do urbanista.
Por outro lado, ele criticava a formação de metrópoles e a verticalização da cidade. “Anhaia Mello não gostava da verticalização. Achava que era uma promiscuidade. Ele temia o cortiço vertical”, afirma Lagonegro.
Em 1954, no documento “O Plano Regional de São Paulo”, que ficou conhecido como “Esquema Anhaia”, sugeriu a criação de um Conselho Nacional de Urbanismo vinculado à presidência e a organização do planejamento regional no país e no Estado.
O esquema também propunha a proibição de instalação de novas indústrias e o controle do crescimento da cidade de São Paulo.  A cidade seria descentralizada, com núcleos que aproximariam moradia e emprego. Cinturões verdes seriam preservados nas periferias, e novos núcleos urbanos seriam criados na região metropolitana para dar conta do crescimento populacional.
“Anhaia Mello era defensor de uma cidade polinuclear, ou seja, uma constelação de núcleos urbanos com relativa autossuficiência, com oferta de moradia, empregos e serviços, de forma que as pessoas não tivessem a necessidade de se deslocar muito”, afirma o professor Renato Anelli.
Anhaia Mello exerceu influência sobre gestões como as dos prefeitos Fabio Prado (1934-1938) e Adhemar de Barros (1957-1961). Sua defesa do planejamento também teve papel decisivo na criação do Departamento de Urbanismo da prefeitura, em 1947.
O historiador Claudio Hiro Arasawa lembra que Anhaia Mello formou vários arquitetos e urbanistas na USP e deixou normas urbanísticas como legado, mas afirma que seu projeto de controle da expansão da cidade foi derrotado. “Ele não consegue vencer as forças da expansão. Quase todo mundo concordava com Anhaia Mello. Ele era muito persuasivo, tinha reconhecimento. Suas ideias foram hegemônicas, mas acabaram derrotadas”.
Para Renato Anelli, São Paulo ainda reflete a mistura dos modelos propostos por Prestes Maia e Anhaia Mello. “É sob a égide desses conceitos que a gente vive hoje, um sistema híbrido, mas sem a oferta de transporte necessária e sem um planejamento eficiente de distribuição das atividades”, observa o professor da USP.
Em sua opinião, as propostas de Anhaia Mello possuem grande importância e são atuais. “As ideias de Anhaia Mello voltam à tona hoje para enfrentar o colapso da mobilidade urbana, para uma melhor distribuição dos serviços e empregos e evitar esse movimento pendular para o quadrante sudoeste da cidade em que as pessoas levam duas, três horas nos deslocamentos para atividades cotidianas”.


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