O legado de Humberto Serpa em Belo Horizonte, em artigo de Nara Grossi

Por Nara Grossi
Edição 240 - Fevereiro/2014

 DESENHOS   http://au.pini.com.br/au/solucoes/galeria.aspx?gid=4476                                                                                                                   
  
A duas quadras da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, chama atenção um edifício projetado em 1969: a sede do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Não se passa por esse trecho da rua da Bahia imune à forte presença dessa obra. A maneira como se relaciona com o entorno em claras intenções expressivas e o modo como conseguiu atravessar o tempo, sem perder a noção de contemporaneidade, impressionam o observador: nem parece que se passaram mais de 40 anos desde sua concepção. A estrutura exposta de concreto armado sustenta o corpo-caixa de vidro do objeto arquitetônico, em um transparente propósito de interferir e incorporar a paisagem urbana ao seu discurso-conceito.
Pode-se dizer que o BDMG foi a primeira obra importante e de franca visibilidade do arquiteto Humberto Serpa. O projeto vencedor de concurso para a sede da empresa foi realizado em equipe com os arquitetos Marcus Vinicius Meyer, Marcos Paulo de Barros e William Abdalla. Com apenas dois anos de formado, Serpa começa a se firmar frente à produção arquitetônica mineira daquele período.
Apesar de citado, admirado e reconhecido entre seus pares, arquitetos e artistas que acompanharam sua produção, Serpa segue praticamente um desconhecido para a história da arquitetura brasileira. Temperamento reservado, acesso restrito a poucos amigos, avesso à autopromoção, nunca permitiu que seu trabalho fosse estudado, como se o registro de sua obra fosse menos importante que o destino a que estaria sujeita. Associado a esse temperamento de difícil acesso, Serpa interrompeu a prática de projeto aos 51 anos, ao se aposentar como professor na Escola de Arquitetura, em 1994. Sua ausência no circuito arquitetônico contemporâneo contribuiu, em parte, para o desconhecimento de seus projetos.
Nascido em Belo Horizonte em 1943, teve em casa um ambiente estimulante para sua formação artística. Seu avô paterno estudou belas-artes e teve no pai, fotógrafo, presença e influência importantes para suas descobertas: música clássica, livros de arte e fotografia faziam parte de seu cotidiano familiar. Ingressou na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EAUFMG) em 1963, formando-se em arquitetura em 1966 e em urbanismo em 1967. No mesmo ano, inicia suas atividades docentes nessa instituição, seguindo como professor na Escola de Arquitetura até sua aposentadoria em 1994. Para ele, a vida acadêmica era interdependente à condição de arquiteto projetista: não daria aula se a sua prática de projeto não correspondesse ao discurso em sala de aula.
O discurso projetual de Serpa defende a arquitetura como arte. Para ele, arquitetura-arte alia rigor e persistência, onde a busca exaustiva da solução ideal corresponde à construção da alma do objeto idealizado. Arte não é gesto, emoção imediata e impulsiva, mas fruto de um dedicado desenho que investiga até o esgotamento de todas as suas possibilidades. Arquitetura- arte pode ser compreendida como o comprometimento do arquiteto com suas decisões sobre o projeto, na busca de autenticidade e autoconhecimento no processo criativo, trazendo significado à linguagem arquitetônica.
Trabalhava até a exaustão do desenho, na busca pelo resultado ideal com a investigação rigorosa do projeto. Rigor, correção, persistência no desenho, investigação da essência do objeto, até chegar à solução pretendida. Essa postura se aplica aos três vetores de sua dedicação: na arquitetura, em sua produção artística e em seu comprometimento como professor de planejamento arquitetônico.
Serpa, em seu processo projetual, partia de uma implantação muito bem estudada, definindo a relação do edifício com o lote e com seu entorno, tirando partido da iluminação natural como elemento de composição do espaço pretendido. A boa implantação preserva a qualidade do projeto, criando um vínculo quase imutável.
Essa correção da implantação foi o que garantiu a integridade de suas obras hoje, apesar de a grande maioria ter sofrido intervenções, estas se apresentam menos importantes frente à força do partido arquitetônico.
A partir da implantação, percebe-se a preocupação com a permeabilidade e a fluidez do espaço criado, associada ao rigor na setorização de usos e à iluminação natural como elemento compositivo.

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