Posse do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR em 17/11/2011
Como representante suplente dos arquitetos catarinenses deixei as persistentes brumas invernais de Florianópolis, em pleno novembro, para encontrar o espetacular sol brasiliense, possibilitado pela chegada ao aeroporto Juscelino Kubitschek, que funciona como belvedere inexistente devido à lhanura do cerrado, do impactante plano urbano de Brasilia, em forma de avião, desenhado precursoramente por Lúcio Costa, em 1957, como o signo moderno visível do iceberg representado pela política de ocupação do Planalto Central.
Nativo da fronteira com o Uruguai, formado arquiteto pela UFRGS em 1969, em 1970 inaugurei carreira profissional como professor do ICA/FAU da UNB a convite, do então diretor, arquiteto Miguel Pereira, guru dos arquitetos do sul, exemplar decano alegretense, que acrescentou a seu vasto currículo a áfrica da eleição para representante do CAU/SP e que na posse, na sala Nereu Ramos do Congresso Nacional, falando de improviso profundo sobre a fundação do CAU/BR, como a própria história de sua vida, emocionou a todos. Da UNB perambulei pelo Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza; pelo escritório de Severiano Mário Porto, centrado no Rio, na montagem do programa da Universidade da Amazonia Ocidental, em Manaus, para ancorar finalmente junto à equipe de arquitetos da Eletrosul, ainda na Cidade Maravilhosa, depois tranferida para Florianópolis. Como consequência do pendor, tornei-me professor do ARQ/UFSC desde 1979.
Há dezessete anos ausente da cidade (1994) voltei, para a posse do CAU/BR, surpreendendo- me com as qualidades urbanas amadurecidas do Plano Pilôto de Brasília.
Primeira surpresa, resultante da fertilidade do cerrado irrigado e da passagem do tempo, o porte das massas verdes, agora dominantes, adoçando e quase impedindo a visão das formas urbanas costuradas por gramados contínuos, antes dominantes. Impressiona a fidelidade, da paisagem verde atual, aos croquis de mestre Lúcio constantes do memorial justificativo do Plano Pilôto, a contrastar com a paisagem de pedra, da maioria das cidades brasileiras, desassistidas de desenho urbano refletido como Brasília e carentes da presença de vegetação, entre outras tantas ausências. A negação do lote, da ocupação do nível térreo, possibilitado pelos pilotis, e do paradigma da quadrícula de quarteirões com paramentos contínuos, como elemento desenhador, possibilitou que a cidade se transformasse em um imenso e inédito parque urbano verde. Meus sobrinhos candangos, guias dessa contastação, por criados lá, não percebem essa qualidade tão diferenciada da cidade não mais tão nova, argumentando sobre o exotismo de algumas espécies que conformam os bosques brasilienses. A encantadora Buenos Aires separa claramente sua notável quadrícula contínua de seus, também notáveis, parques urbanos.
Segunda e óbvia supresa, a discursiva força institucional na configuração das arquiteturas persistentemente permanentes dos palácios de Oscar, que de tão fortes dispensam placas de identificação e a ausência de signos da especulação imobiliária, dominantes nas demais cidades brasileiras. O próprio código de endereçamento bolado por Lúcio, com os limpos edificios residenciais das superquadras, identificados por letras, impedem o tique burguês dos chateaux e palais, recorrentes. Mesmo no espaço elitista das mansões do Lago Paranoá a vegetação encobre a visão dos recursos estilisticos presentes.
Terceira surpresa, a volta aos espaços da UNB (na Asa Norte, chamada à epoca, dado o vazio existente, de Asa Morte) intensamente vividos no passado, quando eram dominados pela vegetação rala do cerrado, para encontrá-los como parte da cidade verde contínua, constrastante com a ausência de parques verdes, projetados para o uso humano, das demais cidades brasileiras. A massa da vegetação, dificultando a visão dos edifícios, relativiza os intensos debates dos professores de arquitetura da UNB dos anos 70, centrados no CEPLAN, sobre as linguagens arquitetônicas adequadas à configuração do campus. Faz lembrar ainda, quando desenhava com Miguel os jardins internos do ICC, meu convite a Chacel, o principal paisagista jovem da época, para traçar os rumos da paisagem universitária de Brasília.
Quarta surpresa o setor persa, pela retórica linguagem dos tribunais,inexistentes no plano original.
Revisitando Brasília, a propósito da inauguração do CAU/BR, resultante da militância de tantos arquitetos, como a doce Enilda Ribeiro, o radical Demetrio Ribeiro e o conciliador Carlos Maximiliano Fayet, todos meus professores, resulta a confirmação da efetiva contribuição dos arquitetos à configuração qualificada da paisagem brasileira. Desde Brasília, dos ano 60, baseada no uso massivo do automóvel, surgente, com suas várias pontes sobre o Lago Paranoá, evoluímos, quanto à mobilidade, para a compreensão de soluções urbanas baseadas na integração de todos os modais. A Ilha de Santa Catarina, isolada fisicamente do continente, mas parte da grande conurbação em construção sobre o litoral catarinense, constitue hoje imenso e provocativo repto, aos arquitetos catarinenses.
Nessa direção, resultado da tese defendida na FAU/USP, em 2006, “Arquitetura da maior à menor escala - vivências, projetos, e reflexões sobre os lugares marinheiros catarinenses” desenvolvo, com a contribuição de uma grande equipe de 40 arquitetos de diversas gerações e lugares, O Projeto Vita et Otium que objetiva a celebração da vida marinheira e serrana catarinense, e de sua decantada vocação ao ócio, com densa proposição de exercícios físico-espaciais. O Instituto Silva Paes, que tem por objetivo a qualificação físico-espacial dos assentamentos rurais e urbanos catarinenses, propôs o projeto ao governo do estado de Santa Catarina. A área de abrangência do projeto estende-se desde o recortado da beira-mar, alcançando o pano de fundo representado pelos aparados das Serras Geral e do Mar. O inusitado dessa paisagem catarinense permite vislumbrar o croquis do paraíso.
A fundação do CAU/BR possibilita aos arquitetos, agora sem intermediários, esclarecer o povo brasileiro sobre seu direito à paisagem qualificada em todas as escalas: territorial, urbana e arquitetônica.
Arq. Nelson Saraiva da Silva
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