Iniciativas bem sucedidas são raras, pontuais e geralmente promovidas por convênios entre municípios, entidades e movimentos organizados.
A lei 11.888, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e construção de habitações de interesse social, já completou três anos de existência, mas sua aplicação nos municípios ainda avança a passos lentos. As iniciativas ainda são poucas e esparsamente espalhadas pelo Brasil.
As restrições impostas para a utilização do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) têm se tornado uma das maiores barreiras para a implantação da AT nos municípios. A exigência de um programa complexo de atendimento social às famílias destinatárias do benefício, associada à falta de recursos casados com as respectivas áreas de atuação envolvidas – como assistência social e consultorias ambiental e de direito, por exemplo -, têm inviabilizado financeiramente grande parte das solicitações de projetos para a oferta de assistência técnica via essa fonte de recurso.
Outro ponto questionado por Guilherme Carpintero, diretor da Regional Campinas do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP) e Conselheiro do Conselho Nacional das Cidades pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), é que o recurso disponibilizado não é compatível com as exigências do programa. Conforme a orientação 02/2011, do Ministério das Cidades, deve-se, invariavelmente, serem entregues os seguintes produtos: diagnósticos, projetos de urbanização, projetos de edificações e de infraestrutura, regularização fundiária, plano de recuperação de áreas degradadas e projeto do trabalho social. “A complexidade envolvida desmotiva e dificulta o acesso aos recursos, aos profissionais e também emperra a qualificação das prefeituras na elaboração de projetos, a fim de pleitear verbas, em contraponto com o montante de recursos disponível para outros programas mais atrativos aos políticos locais, como o programa “Minha Casa, Minha Vida, por exemplo”, acredita o diretor.
Para Maurílio Chiaretti, diretor financeiro do SASP, a falta de compreensão de que a AT é simples e pode ser viabilizada a partir de diferentes estruturas, sejam estas locais, regionais, estaduais e internacionais, também é outro grande entrave para que a aplicação da lei avance. Para ele, qualquer município ou organização está apto a liderar a composição de um conjunto de atores (entidades, empresas, profissionais, sindicatos, governos, ONGs, movimentos e associações) que seja capaz de elaborar um modelo pontual de atendimento às populações de baixa renda de uma determinada região. “Alguns municípios, como Ribeirão Preto, começaram a pensar nesse caminho, porém debandaram. A cidade aprovou apenas a lei 12.215/2009 e a Secretaria de Planejamento liderou um grupo de entidades, com a participação da Secretaria de Assistência Social, que elaborou um documento contendo todo o conteúdo necessário para a regulamentação da lei e sua aplicação. Este documento foi entregue ao jurídico da Prefeitura, mas aguarda há quase dois anos por algum encaminhamento”, revela.
Na tentativa de ampliar a aplicação da lei no Estado de São Paulo, os diretores do SASP têm promovido e participado de eventos sobre o tema. “Estamos nos posicionando junto aos conselhos populares nos municípios, envolvendo os profissionais e tomando a frente nas solicitações junto aos governos, parlamentares e promotores pedindo o desembaraço da implantação da AT”, conta Chiaretti.
Adesão das prefeituras
De acordo com Berthelina Alves Costa, diretora adjunta de assuntos jurídicos e de estudos legislativos do SASP, o sucesso da lei 11.888 depende da adesão das prefeituras. “As prefeituras precisam ter um programa mínimo de atendimento de Assistência Técnica e cabe a elas cadastrarem e organizarem a demanda, enquanto as entidades de arquitetos e engenheiros devem cadastrar os profissionais. Os recursos do FNHIS para esse programa, segundo a lei, só pode ser repassado para as prefeituras, que podem pagar diretamente os profissionais ou via convênio com entidades ou cooperativas”, explica.
A arquiteta lembra ainda que a lei foi pensada inicialmente para atender a população das periferias das cidades, que constrói individualmente suas casas e que, por falta de recursos, não tem condições de contratarem um arquiteto ou engenheiro. Há, no entanto, outros recursos no FNHIS que são destinados às Associações de Moradia para contratação de assessorias técnicas multidisciplinares. “O maior problema para a implantação dessa lei, friso, é a falta de conhecimento das prefeituras. Quando conhecem não conseguem ou não priorizam a elaboração de um projeto para apresentar ao FNHIS. Como os recursos não são muitos e o mercado da construção está aquecido, os profissionais também não se interessam em apresentar um projeto para as prefeituras. Por isso, o trabalho das nossas entidades é de extrema importância”, completa.
Entre os parceiros nessa luta vale citar o Clube da Reforma, fórum nacional no qual tanto o SASP como a Federação Nacional Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) participam e que reúne entidades, Assessorias Técnicas, empresas ligadas à construção civil e movimentos populares. Coordenado pela Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), o projeto tem como objetivo qualificar a produção de moradia à população de baixa renda. De acordo com o diagnóstico divulgado pelo fórum, 49% do déficit habitacional seria atendido com reformas, garantindo habitabilidade às moradias de baixa renda. “Um dado preocupante é que 80% do cimento produzido no País são consumidos na periferia das grandes cidades, com autoconstrução, feita sem assistência técnica”, conta Berthelina.
Os passos futuros do Clube da Reforma serão estruturar e encaminhar, às diferentes esferas do governo, um plano de ação para melhoria da qualidade das moradias. “Temos arquitetos e urbanistas e engenheiros para atender a essa demanda e uma lei que destina recursos públicos para remunerá-los no atendimento à população de baixa renda. O que está faltando, no meu entender, é juntarmos força numa grande campanha nacional: o Direito da População de Baixa Renda à Arquitetura”, acredita a diretora do SASP.
Exemplos positivos
A utilização da AT na cidade de São Paulo via assessorias técnicas, ONGs e cooperativas com recursos do FNHIS para o projeto de conjuntos habitacionais captaneados pelos movimentos sociais urbanos e a parceria entre a ONG Habitat para a Humanidade e a Prefeitura de Taboão da Serra (iniciativa que busca doações de pessoas e empresas e destinam gratuitamente um pacote de mão de obra e de material, acompanhado de um profissional arquiteto e urbanista, para a elaboração de projeto e execução de melhorias habitacionais em assentamentos precários) têm sido alguns destaques de aplicação da lei no Estado. “Também em Várzea Paulista, a prefeitura, em parceria com a consultoria da ONG Peabiru, realizou um excelente trabalho com recursos do FNHIS. Forem entregues projetos e trabalhos complementares, garantindo ao município o repasse no PAC2”, observa Carpintero.
Muito antes de a lei ser sancionada, porém, o município de Franca, localizado no interior do Estado, já se destacava com iniciativas similares. Em 1988, a delegacia regional do SASP na cidade conseguiu instituir um programa de assistência técnica à autoconstrução. “O prefeito Ary Balieiro, que era arquiteto, assumiu a prefeitura da cidade em 1987 e a delegacia do SASP em Franca (DESASP) apresentou a ele o projeto chamado Atendimento Técnico a Moradia Econômica (ATME) do Sindicato do Rio Grande do Sul, então liderado por Clóvis Ilgenfritz. O prefeito então criou um programa de financiamento de ampliações e reformas de moradia e contratou a DESASP para desenvolvê-lo, durante os anos de 1987 e 1988, quando terminou seu mandato”, conta Mauro Ferreira, ex-diretor do SASP, lembrando que, ao todo, foram executadas aproximadamente 200 obras. Depois de ser interrompido em 1993, após o desabamento e morte de dois trabalhadores numa moradia por autoconstrução, a prefeitura de Franca investiu em um novo projeto. Desvinculada da lei 11.888, a iniciativa faz parte de um convênio entre governo municipal e a Associação de Engenheiros e Arquitetos de Franca, chamado Teto Seguro, que perdura até hoje, na forma de convênio.
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