Jacques Pilon, arquiteto empreendedor

Jacques Pilon fez parte do seleto grupo de arquitetos que, entre as décadas de 30 e 60, teve o privilégio de projetar edifícios que viriam a se tornar exemplares do repertório da arquitetura moderna brasileira. Atualmente pouco se ouve falar de Pilon, embora sua obra seja quase onipresente no centro da cidade de são paulo

Por Renata Davi

Edição 176 - Novembro/2008

 

 

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Jacques Emile Paul Pilon nasceu em Le Havre, uma cidade portuária francesa, em 1905. Sua família imigrou para o Brasil quando tinha cinco anos, por conta da transferência de seu pai para o porto do Rio de Janeiro, mas foi na França que se deu sua formação como arquiteto.

Pilon graduou-se em Paris, em 1932, pela École Nationale de Beaux Arts e, no ano seguinte, retornou ao Brasil. Também completou os cursos de Direito e de Letras no período em que esteve na França.

Pilon iniciou sua carreira de arquiteto numa época em que ainda eram fortes as influências acadêmicas da cultura clássica, reforçada por resquícios da aristocracia cafeeira paulista. Ao mesmo tempo, sua atuação se insere entre dois importantes eventos que marcaram, respectivamente, o início e a consagração da arquitetura moderna brasileira: o projeto do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro, na década de 30, e a construção de Brasília, na década de 60.

Nesse intervalo de 30 anos, assim como ocorreu com o próprio modernismo brasileiro, Pilon foi gradativamente se familiarizando com o repertório moderno e incorporando aos seus projetos elementos dessa nova corrente, iniciando com sutis simplificações ornamentais até chegar à verdade construtiva.

Assim como Gregori Warchavchic e Rino Levi, Jacques Pilon foi protagonista na introdução de padrões modernos na arquitetura brasileira, convencendo aos poucos a burguesia a aceitar a arquitetura racionalista. O primeiro passo foi dado por Warchavchic, seguido por Levi e, por último, por Pilon, devido principalmente à sua maneira pragmática de projetar.

Pilmat Pilon-Matarazzo Ltda.
Logo que retornou ao Brasil, em 1933, Pilon começou a trabalhar no escritório do arquiteto Robert Prentice. Foi por esse trabalho que, um ano depois, em visita à obra do edifício Sulacap (Sul América Capitalização) em São Paulo, conheceu seu futuro sócio, o engenheiro Francisco Matarazzo Netto. Juntos fundaram, em 1934, a empresa Pilmat Pilon-Matarazzo Ltda., que durou cinco anos. Nesse período, projetaram e construíram, no Centro e nos arredores de São Paulo, grandes edifícios, obras públicas e residências de alto padrão.

Ainda sob forte influência do meio acadêmico (o que possivelmente lhe conferiu uma compreensível familiaridade com os estilos clássicos, além da própria demanda estilística de seus clientes), Pilon produziu uma grande quantidade de obras com influência eclética francesa e Art Déco. Em uma de suas primeiras obras, o Condomínio Edifício Paissandu, inaugurado em 1938, já ficam evidentes os traços de modernidade, marcados pela geometrização e pela quase inexistência de ornamentos na fachada.

Em 1935, Pilon projeta e constrói o edifício Santo André, por encomenda do conde Andrea Matarazzo, pai de seu sócio, o que conferiu à Pilon maior liberdade criativa. Localizado numa importante esquina do Bairro de Higienópolis, o edifício de apartamentos foi considerado o mais elegante da região.

São também dessa fase as residências unifamiliares ricamente ornamentadas a pedido de seus clientes. Os principais exemplares são a residência do Sr. Horácio Lafer, de 1935, projetada em estilo Luís XIII e implantada num grande terreno na esquina da Avenida Europa com a Rua Groenlândia, hoje murada pelo atual proprietário; e a residência do conde Andrea Matarazzo, na Avenida Paulista, com referência estética das vilas italianas, infelizmente demolida.

Contudo, e principalmente devido à prosperidade econômica e ao acelerado processo de urbanização por que passava São Paulo, havia maior interesse por parte das construtoras em projetar e construir edifícios. Além disso, por ser um período de desenvolvimento, o processo de verticalização dos bairros centrais se inseria na busca pela modernização da própria cidade.

No início, a introdução de elementos modernos deveu-se muito mais à economia construtiva do que a uma preocupação do arquiteto em inseri-los no contexto de modernidade.

Pilon construiu a maioria dos edifícios comerciais da Rua Marconi, aberta em 1938 no terreno que ia desde a Rua Barão de Itapetininga até a Rua Sete de Abril, considerada na época uma das mais elegantes do Centro de São Paulo. Lá estão o Edifício São Manoel, na esquina com a Rua Barão de Itapetininga, o Edifício Francisco Coutinho e o Edifício Anhumas, para onde o arquiteto transferiu seu escritório em 1939.

Na Rua Barão de Itapetininga, Pilon projetou e executou para a Sra. Antonieta da Silva Prado e Caio da Silva Prado, em 1939, o Prédio Jaraguá, no qual a relação de cheios e vazios da fachada obedece a um rígido ritmo e sugere a amplitude dos cômodos. O pavimento térreo foi reservado para uso comercial, assim como o de inúmeros edifícios projetados nessa época por Pilon. Com pé-direito alto, marquise e revestimento mais sofisticado, a diferença de uso desse pavimento em relação aos demais ficava clara. A porta de entrada recebia tratamento diferenciado tanto em relação ao posicionamento centralizado, quanto nos materiais empregados e ornamentação do requadro.

Inseridos no processo de modernização da capital paulista, muitos arquitetos projetaram edifícios com elementos Art Déco. Tal estilo continha um apelo de modernidade e foi empregado com o intuito de atualizar os valores arquitetônicos pré-existentes sem questioná-los em profundidade, sendo que tais alterações resultavam ainda no almejado barateamento da construção.

Nesse contexto, Pilon projetou, em parceria com o arquiteto Rubens Borba, a atual Biblioteca Mário de Andrade. Inaugurada em 1942, foi considerada um dos marcos da modernização da cidade de São Paulo. O edifício é representativo do estilo Art Déco. Com fachada sutilmente ornamentada e volumes simplificados a formas geométricas, Pilon teve o cuidado de detalhar cada item, até mesmo o mobiliário. O arquiteto adotou um claro partido de separação de usos na organização do programa, com a circulação pública no plano horizontal e o acervo bibliográfico em duas torres verticais (apenas uma torre foi construída, entretanto).

Durante os cinco anos em que estiveram juntos, Pilon e Matarazzo participaram de importantes concursos públicos e privados. Em 1934, concorreram para o projeto do atual viaduto do chá, classificado em terceiro lugar; em 1939, participaram do concurso para o viaduto General Olímpio da Silveira, sobre a atual Avenida Pacaembu, classificado em primeiro lugar e executado.

Construtora Jacques Pilon Ltda.
Em 1939, com a saída de Matarazzo da Pilmat Pilon-Matarazzo Ltda., Pilon muda o nome da empresa para Construtora Jacques Pilon Ltda., e segue projetando e construindo na região central de São Paulo.

Um dos primeiros trabalhos foi o projeto para o edifício residencial São Luís, em estilo eclético francês (de novo em atendimento à demanda de sua clientela). O próprio Pilon morou no segundo andar do edifício e lá permaneceu até o seu falecimento.

Por volta de 1945, nota-se uma transformação significativa nos projetos de Pilon. Esse fato deve-se tanto às influências contidas na própria arquitetura racionalista em ascensão quanto à importante contribuição de sócios e colaboradores entre 1940 e 1962: os arquitetos alemães Herbert Duschenes e Franz Heep, o italiano Gian Carlo Gasperini e o brasileiro Jerônimo Bonilha Esteves.

O pintor Herbert Duschenes foi seu primeiro colaborador e teve participação direta em obras como a sede do First National City Bank of New York, no Rio de Janeiro, e o edifício Stella, na Rua Conselheiro Crispiniano, em São Paulo. Em 1944, Duschenes participa do projeto do edifício Edlu, considerado avançado para a época devido ao uso intenso de vidros.

Em 1947, Franz Heep chega ao Brasil. Por ter trabalhado no estúdio de Le Corbusier entre 1928 e 1932, Heep era um profissional com marcante aptidão e domínio da linguagem moderna. Sua primeira influência sobre a obra de Pilon pode ser observada no edifício para o Hotel Jaraguá, um importante exemplar da arquitetura modernista paulista, projetado e construído entre os anos de 1947 e 1954. Nesse edifício, além de intervenções gerais na planta e fachada, Franz Heep contribui com a inserção de elementos ícones do repertório moderno, até então ausentes na obra de Pilon: a utilização dos brises horizontais articulados e a substituição da ornamentação por obras de arte incorporadas à arquitetura, caso do mural externo de Di Cavalcanti e dos painéis internos de Cândido Portinari e Clóvis Graciano.

Do mesmo período foi o projeto do edifício para os Diários Associados, projetado para o Sr. Assis Chateaubriand na Rua 7 de Abril, com suntuoso saguão de mármore travertino. Antes de sair do escritório de Pilon, em 1951, Franz Heep contribuiu com outros projetos, entre eles o do Edifício Atlanta, em que jardineiras funcionam como guarda-corpos, e o do edifício para a Liga das Senhoras Católicas, que conta com um teatro para 500 pessoas (o atual Teatro Imprensa).

No mesmo ano em que sai Franz Heep, entra Gian Carlo Gasperini, arquiteto italiano que iniciou seus estudos em Roma em 1944 e finalizou em 1949 na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Gasperini chegou a contribuir com o projeto do Hotel Jaraguá, que se encontrava na fase de acabamentos, quando iniciou seus trabalhos no escritório de Pilon.

Em 1951, em co-autoria com o francês Auguste Rendu, Pilon projeta o edifício da embaixada Francesa, a Maison de France, que se enquadrou à arquitetura moderna que prevalecia na região central do Rio de Janeiro. Nesse edifício, alguns elementos foram adotados de maneira enfática, como a modulação estrutural, o uso de pilotis no térreo e os brises verticais na fachada norte, interrompidos apenas na galeria do sexto andar. A fachada oeste foi estranhamente envidraçada, tornando a climatização artificial imprescindível, apesar de os arquitetos terem apostado no uso de vidros antitérmicos.

Em 1954, Pilon projeta a sede da Aliança Francesa em São Paulo, na Rua General Jardim, um edifício funcional de sete pavimentos com um teatro.

Outra importante obra de Pilon e Gasperini, que muito bem representa a arquitetura moderna em São Paulo, é o condomínio de apartamentos Paulicéia e São Carlos do Pinhal, de 1956. A principal característica é o partido de implantação, que divide os 240 apartamentos em dois blocos paralelos idênticos, distantes 30 m entre si, um com acesso pela Avenida Paulista e outro, pela Rua São Carlos do Pinhal.

Para aproveitar as vistas resultantes de tal implantação, os arquitetos projetaram fachadas amplamente envidraçadas, que, com a presença das persianas de madeira e das pastilhas coloridas, resultam numa agradável composição dinâmica de cores e texturas. A observação externa oculta a existência de quatro tipologias de apartamento. No térreo, os pilotis liberam espaço para uma praça de entrada.

Um dos últimos projetos desenvolvidos por Pilon e Gasperini foi o complexo industrial da Mecânica Pesada em Taubaté, um projeto urbanístico e arquitetônico composto de instalações industriais e vila de operários com três generosas tipologias residenciais. No projeto das habitações, os arquitetos empregaram as mesmas técnicas construtivas e materiais de acabamento para conferir unidade ao conjunto e evitar comparações de ordem social. O amplo terreno permitiu a implantação horizontal do programa e a criação de generosas áreas verdes distribuídas por todo o conjunto.

Gasperini deixou o escritório de Pilon no início da década de 60, entrando em seu lugar o arquiteto Jerônimo Bonilha Esteves, com o qual Pilon realizou o projeto do Liceu Pasteur. Esse premiado edifício, sede do centro educacional franco-brasileiro, hoje denominado Casa Santos Dumont, foi destinado inicialmente a abrigar 1.200 alunos em regime de semi-internato. Localizado na Rua Vergueiro, sua implantação acompanha o relevo do terreno, possibilitada pela divisão do programa em blocos distintos, embora interligados.

Pilon atinge aqui sua máxima franqueza no emprego dos materiais. O concreto da estrutura e as tubulações de águas pluviais foram deixados aparentes, e para o brise das salas de aula propõe a utilização de práticos painéis de plástico ondulado amarelo, soluções que conferem personalidade ao edifício.

A essa altura, a mudança na linguagem arquitetônica fica evidente, especialmente quando comparada aos projetos desenvolvidos no início de sua carreira. O conjunto tão díspare de sua obra, longe de demonstrar ausência de personalidade, evidencia um rico repertório formal e uma importante postura em aceitar novas linguagens e atualizar sua maneira de projetar.

Pilon falece em 1962, aos 57 anos de idade, e é enterrado no Cemitério São Paulo, em túmulo desenhado pelo arquiteto Jerônimo Bonilha. Com sua ausência, o escritório não teve continuidade.

 

BIBLIOGRAFIA
ALBA, Lilian Bueno. 1935-1965: Trinta anos de edifícios modernos em São Paulo; São Paulo, FAUUSP, Dissertação de Mestrado, 2004.

BRUNA, Paulo Júlio Valentino. Jacques Pilon; Catálogo de Desenhos de Arquitetura da Biblioteca da FAUUSP São Paulo; FAUUSP, 1988. p.127-39.

Warchavchik, Pilon, Rino Levi: Três Momentos da Arquitetura Paulista. Textos Carlos A. C. Lemos, Luiz Carlos Daher, Maria Cecília Naclério Homem, Ilda Helena Diniz Castello Branco; São Paulo: FUNARTE: O Museu, 1983.

SILVA, Miguel Juliano e. Jaraguá: um retrofit; São Paulo, FAUUSP, Dissertação de Mestrado, 2006.

AGRADECIMENTO
Bruno Silva, Fernando Stankuns, Lourenço Gimenes, Marta Vitória de Alencar e Telma Regazzini

Renata Davi é arquiteta e urbanista formada em 2004 pela FAUUSP e, desde 2006 é colaboradora do escritório Forte, Gimenes & Marcondes Ferraz Arquitetos.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/176/artigo116503-1.aspx

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