Cinema América, hoje. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
O Cinema América. Demolição ou Restauro
A arquiteta restauradora e especialista em conservação do patrimônio Cristina Mampaso Cerrillos, compartilhou conosco o desafio Cinema America Occupato, que tem como objetivo frear a demolição do Cinema América no bairro central de Trastevere, em Roma. Trata-se de um cinema dos anos 50, no final do movimento moderno, símbolo de uma arquitetura pensada e desenhada para os sentidos e símbolo do auge e da decadência do cinema arte nessa cidade.
Como propriedade privada, seu dono desejar demolir o edifício a fim de construir apartamentos de luxo para turistas. O objetivo é conseguir que o edifício passe a fazer parte da "Carta per la Qualità" do planejamento metropolitano de Roma, que protege o patrimônio moderno. A situação é preocupante porque não é o único caso na cidade: no total são quase 120 salas de cinema, a maioria abandonadas o convertidas em multisalas. Um patrimônio moderno do século XX que vem sendo esquecido e apagado por uma Roma Imperial, mas que não é a Roma das pessoas.
Projetado pelo Arquiteto Angelo Di Castro nos anos 50 no coração de Trastevere (depois da demolição do Cinema-Teatro La Marmora de 1923), o Cinema América tem se demonstrado uma testemunha da história e da cultura de Roma além de seus monumentos.
Estado ds Salas de Cinema Romanas
Durante os anos 50-60 na Itália, se produziu um verdadeiro boom da indústria cinematográfica: a Cinecittà, fundada em 1937 por Musolini com o slogan "La Cinematografia è l'arma più forte", converteu-se na segunda capital do mundo do cinema, precedida somente por Hollywood. A nova tipologia arquitetônica que nasce no final de 1800 na França chega a Roma a princípios do século com a construção da primeira sala exclusivamente cinematográfica, o Cinema Moderno. Posteriormente, em 1915 o arquiteto Marcelo Piacentini, com o Cinema Corso, abrirá o debate em defesa da nova tipologia destinada a reprodução de filmes como arte e em defesa do uso de materiais modernos, como concreto, para criar novos espaços diáfanos no interior.
Cinema América, hoje. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
Essa nova tipologia derivada das salas teatrais, caracteriza-se por poucos, mas significativos, elementos de desenho: a marquise com dobras geométricas que emolduram a entrada, as tipografias luminosas em neon na fachada, o teto solar da sala para ventilar a fumaça, o uso de concreto e de novos materiais como o linóleo, e a combinação entre arte - arquitetura que hoje foi perdida quase em sua totalidade. Além disso, deve-se ressaltar que em pleno o auge das vanguardas na Itália, personagens como Giacomo Balla, Marinetti, Arnaldo Ginna, etc, assinam o “Manifiesto della Cinematografia Futurista” cujos atributos artísticos são vistos refletidos no desenho arquitetônico.
Cinema América, hoje. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
Depois de uma exaustiva análise histórica-comparativa das salas de cinema Romanas do século XX se pode afirmar que o Cinema América é praticamente uma das poucas salas monofuncionais que resta e que também reúne todas essas características de maneira quase íntegra. Na atualidade, de aproximadamente 120 salas que restam em Roma desse período, 13% tornaram-se teatros, 23% estão abandonadas e em um péssimo estado de conservação, 26% converteram-se em lojas ou cassinos e 32% continuam funcionando mas transformadas em multisalas.
A Ocupação. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
Diante dessa dramática situação, é necessário destacar que coletivos e associações como o Cinema América, o Cinema Império, Cinema Palazzo, Cinema Volturno... etc, foram se apropriando desse patrimônio com objetivo meramente cultural e para salvar a integridade e a autenticidade não só dessas salas, mas também da imagem urbana e da memória coletiva dessa cidade.
Cinema América, hoje. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
O Cinema América foi ocupado em novembro de 2012 para evitar sua demolição. A realidade de hoje em dia é que ele está sendo ameaçado pelas escavadoras da Propiedad Inmobiliaria Proyecto Uno Ltd, que querem destruir esse edifício para construir 20 mini apartamentos de luxo com dois andares de estacionamento subterrâneo e uma galeria de arte privada. Esse projeto, além de substituir as atividades sociais e culturais que foram feitas até agora, se trata claramente de uma especulação imobiliária no coração do Trastevere que não tem nada a ver com um plano de moradia social nem de melhora no acesso à cultura dos habitantes do bairro.
O cinema, além do mais, não foi incluído na “Carta per la Qualità” do último planejamento de Roma PRG2008 destinada a proteger levemente o patrimônio moderno, deixando em evidência a vulnerabilidade desses edifícios sujeitos a interesses privados e a falta de legislação na normativa italiana e do resto do mundo para a defesa do patrimônio do século XX.
Durante a reunião pública que será feita no dia 17 de fevereiro e que conta com o respaldo de grandes representantes do mundo da cultura, do cinema e da arquitetura, assim como do DOCOMOMO Itália, será apresentado o desenho da propriedade, que atualmente está em fase de aprovação, e um projeto de restauração e valorização do cinema como modelo de estudo para a preservação das salas de cinema romanas. Esse projeto, consequência de uma tese de mestrado da Scuola di Specializzazione in Beni Architettonici e do Paesaggio da Universidad de la Sapienza, além da contribuição e assessoramento de grandes personagens da restauração italiana, está articulado em três fases:
Parte 1: Análise Histórica e do contexto, não só urbano, mas também cultural e socioeconômico. Nessa primeira fase se analisa em profundidade a tipologia e os atributos do Cinema América mediante uma análise comparativa com outras salas romanas assim como a obra do Arquiteto Angelo di Castro. É realizado um estudo histórico da evolução do solar desde que era Cinema La Marmora até Cinema América graças, principalmente, ao escritório de documentação do Archivo Storico Capitolino e Archivio Centrale dello Stato.
Parte 2: Fase de conhecimento e análise da obra. Essa fase vem complementada por um levantamento exaustivo realizado com instrumentação profissional como a Estação Total e a fotogrametria. É realizada a catalogação dos elementos decorativos e das luminárias assim como um estudo do estado de conservação dos materiais, tanto da fachada como do interior. Analisa-se a estrutura portante e sua degradação a partir de fontes históricas e o estudo de campo. Essa fase de análise vem acompanhada de uma série de propostas de intervenções estruturais e de conservação.
Parte 3: Fase de Projeto. Depois de uma análise comparativa da normativa italiana em matéria de prevenção de incêndios e parâmetros de desenho se chega a conclusão de que a sala está perfeitamente compatível com os padrões atuais exceto a tela de projeção e acessibilidade. São propostas três intervenções factíveis a curto prazo e duas discutíveis com a comunidade. As três primeiras seriam a adaptação da tela às proporções atuais, criando também um pequeno cenário para representações teatrais, congressos... etc, e separando-a do fundo da sala para criar uma passagem de serviço em direção aos camarins. Propõe-se recuperar toda a iluminação interna e externa, substituindo os neons, restabelecendo a conexão entre o exterior e o interior da sala e substituindo o teto solar por uma claraboia de vidro protegida por um diafragma que controla a entrada de luz. As duas intervenções discutíveis seriam a acessibilidade à cobertura e a construção de um elevador para pessoas mobilidade reduzida.
O coletivo que vem ocupando o cinema tem demonstrado que a sala pode ser gestionada de maneira participativa com filmes de cinema independente, apresentações, debates, cursos, assembleias, inclusive durante o dia, com a sala estúdio, a biblioteca, exposições temporais reutilizando as vitrines antigas como expositores etc... Enfim, um espaço que se adapte as necessidades das pessoas e dos seus vizinhos. O objetivo principal é evitar a demolição e para isso estão levando a cabo um projeto de autofinanciamento popular que será concluído no dia 8 de março com uma reunião onde os participantes poderão decidir como reverter os fundos arrecadados na restauro e melhoria do edifício.
A Ocupação. Imagem Cortesia de Cristina Mampaso Cerrillos
O projeto de restauro e a iniciativa estão sendo apoiados por um grande número de personalidades do mundo da cultura, entretenimento e arquitetura que têm participado das inciativas do cinema: Paolo Sorrentino , Nanni Moretti , Toni Servillo , Carlo Verdone , Gianfranco Rosi , Nicholas Bassetti , Rocco Papaleo , Elio Germano, Libero de Rienzo , Daniele Luchetti , Elena Cotta , James Ciarrapico , Mattia Torre, Luca Vendruscolo , Francis Pannofino , Stefano Benni , Marco Delogu , Ivano de Matteo, Andrea Sartoretti , Valerio Mastandrea , Claudia Pandolfi , Angelo Orlando, Ninetto Davoli , Roberta Fiorentini , Antonio Catania, Francesco Montanari , Gianni ZANASI , Giuseppe Piccioni , eng. Paul Berdini, Prof. Alessandra Muntoni , professora Maria Rita. Intrieri , o Prof. George Mason , o professor Simona Salvo e Prof. Andrea Bruschi, Prof. Giovanni Carbonara, Prof Mauritzio Caperna, DOCOMOMO Itália e muitos outros.
Não é um sonho, e vamos demostrar isso.
* Para consultar a programação e as iniciativas visite esse link.
Fonte:Tomás, José. "A batalha para salvar o patrimônio italiano: Cinema América, demolição ou restauro" [La cruzada por salvar el patrimonio italiano: Cinema America, Demolición o Restauración] 09 Mar 2014.ArchDaily. (Baratto, Romullo Trans.) Accessed 9 Mar 2014. http://www.archdaily.com.br/br/01-181238/a-batalha-para-salvar-o-patrimonio-italiano-cinema-america-demolicao-ou-restauro
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