Por Marcelo Nudel
(Edifício Darling Quarter, Sydney (Arup). Marcelo Nudel)
Apesar da evolução significativa em sustentabilidade ocorrida nos últimos anos no mercado da construção brasileira, encontramo-nos apenas no início de um processo longo de aprendizado e aprimoramento. O mercado tem se focado muito na adição de soluções tecnológicas de forma a dotar os edifícios de um caráter mais sustentável. São exemplos disso os sistemas de iluminação e ar-condicionado mais eficientes, captação e reciclagem de águas pluviais, sistemas solares de geração de energia, além de reciclagem e reaproveitamento de resíduos de obra. Na prática, há uma tendência em se projetar edifícios de maneira convencional e, em seguida tentar torná-los mais sustentáveis adicionando itens de uma lista de tecnologias disponíveis na prateleira. A envoltória dos edifícios, são particularmente relegadas a segundo plano, estando sujeita apenas às variáveis custo capital e partido arquitetônico.
Em países onde a cultura da construção sustentável encontra-se em estágios mais maduros, como os EUA, Inglaterra, Austrália e Alemanha, compreende-se que os verdadeiros diferenciais dos edifícios sustentáveis são provenientes da etapa de conceituação de projeto, sendo os elementos tecnológicos importantes, porém secundários. Para acompanhar essa tendência, o mercado brasileiro deve passar necessariamente por uma completa revisão na maneira em que concebe seus projetos. Nossa experiência indica que conceber um projeto com a sustentabilidade em mente desde suas linhas iniciais é muito mais eficaz do que tentar adequar tecnologias a um projeto arquitetonico concebido de maneira convencional.
É na prancheta de projeto que elaboramos, por exemplo, as condições ideais para a adequação climática e eficiência energética de edifícios. O desenho adequado da envoltória é parte fundamental desse processo e deve ser resultado não apenas do conceito arquitetônico ou com base em análise simplista de custo capital, mas fundamentalmente do seu desempenho no que tange a variáveis climáticas e ambientais.
São nas etapas preliminares de projeto que temos a chance de trabalhar junto aos arquitetos, direcionando atenção especial à orientação solar dos edifícios e ao desenho de fachadas, como a primeira linha de defesa contra ganhos térmicos excessivos e como forma de criação de espaços confortáveis e produtivos. Um exemplo clássico disso é o brise soleil, elementos de fachada que protegem panos de vidro contra radiação solar direta. Fazem parte da tradição arquitetonica brasileira e são extremamente necessários às nossas condições climáticas e, no entanto, foram abandonados há muito pelo mercado.
Entendo que por 3 principais razões: (1) Inércia do mercado: há décadas se produz edifícios que ignoram as variáveis climáticas deixando a cargo das ciências mecânicas o condicionamento dos edifícios, (2) a dificuldade em se quantificar os benefícios dessa e outras estratégias durante a etapa de projeto, e (3) a caracterização do processo de projeto não integrado, típico no mercado brasileiro.
Abordamos a problemática dos pontos 1 e 2 em nossa prática profissional na área de consultoria unindo a criação arquitetônica à ciência da engenharia. Através de análises técnicas e simulações computacionais podemos antever o futuro desempenho das edificações e quantificar os benefícios que cada estratégia de projeto irá trazer consigo. Essa prática contribui gradativamente para o fim da inércia do mercado pois reduz o risco do incorporador ao prever em projeto os benefícios tangíveis na futura operação dos edifícios.
Nesse sentido, investir no projeto e em consulturias especializadas é portanto bom não apenas para os usuários finais, que se beneficiam com maior conforto térmico, melhor iluminação natural e reduzida demanda energética, mas para o incorporador através da redução de riscos de investimento.
Quanto a problemática do processo de projeto não integrado, exemplifico essa questão com uma questão de projeto. Como se parece, por exemplo a envoltória de um edifício com alto índice de iluminação natural porém com reduzida carga térmica (e portanto menos consumo energético de ar- condicionado), se sabemos que em geral esses dois índices de desempenho são inversamente proporcionais? Perguntas como essa são em geral respondidas por mais de uma cabeça e sua resposta está portanto associada ao processo integrado de projeto.
O planejamento de edifícios sustentáveis exige uma simbiose harmoniosa entre as mentes de arquitetos, engenheiros e construtores. Essa simbiose, conhecida como “processo integrado de projeto”, ainda é timidamente praticada no Brasil, onde cada profissional tende a trabalhar de maneira isolada. O processo integrado envolve toda a gama de profissionais envolvidos nas grandes decisões de projeto, desde as etapas de concepção. Dessa forma, encontram-se oportunidades e soluções de design que cabeças ou pontos de vistas individuais não conseguiriam visualizar.
Arquitetos, engenheiros, incorporadores e construtores devem sempre desafiar o staus quo do processo de produção de projeto, de maneira a encontrar soluções sustentáveis inovadoras. Soluções capazes de criar edifícios que, ao mesmo tempo em que contemplam a conservação ambiental, são também espaços vibrantes, capazes de encantar, proporcionar ao usuário uma experiência mais saudável, mais confortável e reduzido custo de operação.
Sobre o autor
Marcelo Nudel
Arquiteto, consultor e líder da equipe de sustentabilidade de edificações na Arup do Brasil, empresa global de engenharia e consultoria. Possui 10 anos de experiência na concepção de edifícios sustentáveis em países de clima quente como Austrália, Cingapura e Brasil. Esteve envolvido na concepção multidisciplinar de edifícios sustentáveis com foco na integração de estratégias de desempenho ambiental de envoltórias. Marcelo é responsável por consultoria em eficiência energética e sustentabilidade dos principais equipamentos das Olimpíadas do Rio 2016 entre eles a Vila dos Atletas, os Ginásios Olímpicos e o Velódromo. Marcelo é Mestre em Arquitetura Sustentável pela Universidade de Sydney e profissional acreditado pelo Green Building Council da Austrália. Lecionou nas Universidades de Sydney e New South Wales (Austrália) e atualmente em curso de pós- graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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