Acústica se revela mercado promissor


NA CONTRAMÃO DA CONSTRUÇÃO CIVIL, AS PERSPECTIVAS PARA O SEGMENTO DE ACÚSTICA SÃO AS MAIS FAVORÁVEIS. NA AVALIAÇÃO DE DAVI AKKERMAN, PRESIDENTE DA PROACÚSTICA, NEM MESMO A RETRAÇÃO DA ECONOMIA E A CONSEQUENTE PARALISAÇÃO DO SETOR DEVEM AFETAR O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E A FORMAÇÃO DE NOVOS PROFISSIONAIS DA ÁREA.


“Nunca tivemos tradição cultural de envolver o projeto de acústica nos empreendimentos brasileiros, mas isso está mudando com a chegada da Norma de Desempenho das Edificações [NBR 15.575], que deu grande impulso à engenharia e à arquitetura acústica no país”, observa Davi Akkerman, presidente da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica (ProAcústica). Segundo ele, a demanda por especialistas é tão grande e a oferta inversamente tão pequena que o mercado continuará a crescer. “Vale a pena investir nessa formação, certamente uma das carreiras mais promissoras no setor de construção civil”, acredita.
Mas para avançar o segmento terá de estreitar algumas lacunas. Dentre elas, o descompasso entre academia e mercado, a falta de profissionais e laboratórios de testes e o descaso com o ensino da disciplina, gargalos que ainda se refletem negativamente na qualidade acústica das edificações brasileiras. Com a criação da ProAcústica, entidade que completa quatro anos em 2015 e congrega mais de 70 empresas especializadas no ramo, alguns passos estão sendo dados nesse sentido. Em entrevista a Gisele Cichinelli, Akkerman fala sobre a assimilação da acústica nos empreendimentos nacionais e faz um balanço dos principais avanços e desafios do setor.
O tema acústica tem ganhado importância nos últimos anos. Qual o papel da ProAcústica nesse novo cenário?
Ela existe há quatro anos e foi inspirada na Aecor [em português, Associação Espanhola para a Qualidade Acústica], associação madrinha da ProAcústica e que congrega profissionais e empresas da Espanha ligados à área. A ProAcústica nasceu praticamente com a chegada da Norma de Desempenho das Edificações. Até então tínhamos apenas a Sociedade Brasileira de Acústica, que foi criada há mais de 30 anos e tem caráter mais acadêmico, com pouca atividade voltada para o mercado corporativo. Hoje, tudo é muito dinâmico e por isso sentimos a necessidade de ter uma entidade voltada para o mercado.
Que consequências a falta de diálogo entre a academia e o mercado trouxe 
para o setor de acústica?
A academia ficou muitos anos voltada apenas para o estudo, o ensino e a pesquisa. Pouco se fez para trazer o conhecimento teórico para a prática e, consequentemente, poucos técnicos se formaram para atender ao mercado. Hoje, por exemplo, temos apenas um curso de graduação de engenharia acústica no Brasil, na Universidade Federal de Santa Maria, com a primeira turma formada em 2014. Os demais cursos são complementares, de pós-graduação.
Como o senhor avalia o envolvimento da área acadêmica na formação do profissional de acústica?
Algumas universidades do Brasil estão empenhadas no estudo da acústica aplicada, como a de Santa Maria e a Unisinos, ambas no Rio Grande do Sul. A Universidade Federal de Santa Catarina tem um laboratório de acústica ligado à engenharia mecânica, mas que recebe alunos de todo o Brasil e também de fora do país para especialização. Em São Paulo, a Unicamp possui um agrupamento de estudo de acústica bastante atuante. A ProAcústica está fazendo um convênio com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo [Poli/USP], no sistema Poli-Integra, para promover cursos de pós-graduação em acústica. Já tivemos uma primeira experiência em 2013, que deve se repetir em 2015. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro temos alguns trabalhos de pós-graduação no tema e também trabalhos pontuais nas universidades de Minas Gerais, Brasília, Alagoas e Pará.
É possível dizer que a Norma de Desempenho das Edificações foi um divisor de águas para o setor de acústica?
Com certeza. Nosso escritório, por exemplo, cresceu cinco vezes depois da publicação do texto, que é um marco histórico e revolucionou o mercado da construção civil habitacional. Até então, não havia nenhum tipo de exigência acústica para as edificações. As lajes de piso, por exemplo, estavam ficando cada vez mais finas, com oito a nove centímetros. Com a norma, isso foi rechaçado, porque as exigências acústicas tornam proibitivas lajes ou paredes tão esbeltas. Nas fachadas, especificamente nas janelas, pouco se fazia para garantir o desempenho acústico desse produto. Em São Paulo, desenvolveu-se uma cultura de janelas de péssima qualidade, as populares janelas com duas folhas de alumínio e uma de vidro. Essa solução está condenada pela NBR 15.575, pois não veda quase nada do ponto de vista acústico. As construtoras passaram a se preocupar mais com esse item. Dependendo da localização, o isolamento das janelas deve ser muito mais rigoroso.
A norma não é lei, mas tem força de lei. Todas as construtoras estão empenhadas em aplicar as exigências da NBR 15.575?
As boas empresas de engenharia construtiva já estão se adequando aos requisitos da NBR, muitas até saíram na frente e já estudavam a aplicação da norma antes de sua publicação. Algumas estão em fase de transição, ainda dando os primeiros
passos para a adequação ao texto. Já as construtoras ruins, que não se interessam por inovação tecnológica, devem fechar as portas. Os próprios usuários estarão cada vez mais informados, já que a mídia está desempenhando um papel importante na sua divulgação.
A falta de laboratórios para testes de acústica é um gargalo a ser solucionado. Qual é o impacto que essa realidade traz para o setor?
É grande. Temos poucos laboratórios acreditados para fazer os ensaios de acústica, importantes para certificar produtos com qualidade. Mas a norma exige desempenho da obra construída, em campo. Não precisamos de um laboratório físico para ensaiar uma obra. Uma empresa bem equipada e com técnicos bem treinados é capaz de realizar os ensaios em campo. Há no mercado algumas companhias capacitadas para realizar esse serviço. A maioria está sediada no estado de São Paulo, que está bem servido desses profissionais. Para ensaios laboratoriais, temos apenas o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo] e a Concremat, ambos em São Paulo, uma câmara de acústica em Santa Catarina e outra em Santa Maria.
De que maneira o projeto de acústica deve ser tratado em relação aos demais projetos da edificação?
Ele ganha força e aparece como mais um projeto de um empreendimento. Já existe uma consciência maior dos empreendedores em relação a sua importância. Cabe ao coordenador de projetos fazer a interface com os demais projetos. A acústica deve ser pensada desde a concepção do produto e até mesmo na prospecção do terreno, com a procura por locais de paisagens sonoras mais satisfatórias, que possam atender às exigências acústicas para fachadas. Os profissionais estão sendo chamados para avaliar a classificação acústica do terreno antes mesmo da compra. Dependendo da classe, haverá exigências e níveis de isolamento que afetam o preço do empreendimento. Chamamos isso de sondagem acústica.
Como o que já acontece com os terrenos para verificação das condições do solo?
Sim, a sondagem acústica do entorno e a classificação do terreno para a equipe de projeto acontecem previamente, orientando a compra e os projetistas. Essa atividade começa a aparecer em função da NBR 15.575.
A NBR 10.151, de avaliação do ruído em áreas habitadas, está em revisão. O que propõe o novo texto?
Essa norma é voltada para a acústica ambiental e foi elaborada em 2000. Está em processo de revisão desde 2012. Pelo que sei, o texto deve ir para consulta nacional ainda neste ano, mas há contradições. A proposta é fazer uma mudança radical na norma, que hoje é muito compacta e obsoleta e acaba não suprindo a demanda da NBR 15.575. Apesar de nortear toda a legislação a respeito de produção de ruídos, como o Psiu, por exemplo. Cada tipo de área tem um limite de ruído permitido durante o dia e a noite. Mas há um descompasso entre essas definições de áreas e o zoneamento urbano de cada cidade. Também é difícil impor certos níveis máximos conforme as zonas urbanas de uma cidade, que está dentro de uma malha de circulação de fontes sonoras, como avenidas com veículos, mudando o cenário das classificações. O ideal seria aplicar o conceito atual da cartografia sonora, espécie de mapeamento do ruído no ambiente urbano.
A revisão está contemplando essa classificação, na sua visão, defasada?
Sim, está ignorando as ferramentas modernas de enfoque da questão do ruído, como a cartografia sonora. Se pudéssemos associar a normalização do ruído ambiental com as tecnologias modernas, como as ferramentas de softwares de cartografia sonora, teríamos condições de aplicar a norma de modo mais seguro e coerente com a realidade das cidades. Enquanto a norma não for revisada de uma maneira mais eficaz e incluindo ferramentas mais modernas, será inócua.
No tocante a sistemas, como o senhor avalia o desempenho acústico das coberturas, tanto as de vidro quanto as metálicas? É satisfatório?
Hoje, as coberturas em si não são o ponto mais frágil no tocante à acústica. Os maiores gargalos estão nas janelas, portas e pisos. Estes últimos são os mais problemáticos, pois têm de apresentar bom desempenho com relação ao ruído aéreo - vozes e equipamentos sonoros, por exemplo - e de impacto. O ruído aéreo em geral é contemplado nas tipologias usuais. Mas, no quesito impacto, algumas tipologias de lajes de até 12 centímetros de espessura não atendem à norma.
Os construtores estão aumentando a espessura das lajes?
Sim, e também a do contrapiso. Outra solução é o uso do contrapiso flutuante, com a aplicação de uma manta acústica embaixo. Essa mudança vai afetar o programa Minha Casa, Minha Vida, com edifícios de múltiplos pavimentos. Normalmente as espessuras de laje eram baixas, sem contrapiso. Essas tipologias não atendem mais aos requisitos.
O que são os ensaios interlaboratoriais? Quais são seus objetivos e os resultados que eles já apresentaram?
Há várias empresas capacitadas para fazer ensaios de campo. Com os ensaios interlaboratoriais, podemos colocá-las para realizar ensaios diversos em conjunto, no mesmo empreendimento. Checamos, cruzamos e comparamos os resultados, conferindo os erros e os acertos de cada empresa. Essa é uma prática comum na Europa e nos Estados Unidos, e a ideia é balizar e certificar as companhias que participam desses ensaios. Essa deveria ser uma missão do Inmetro, mas a ProAcústica tomou a iniciativa de organizá-la. Observamos os laboratórios que estão dentro da média e analisamos os desvios que acontecerem, corrigindo eventuais erros. Queremos conferir mais credibilidade aos ensaios.
E como anda a qualidade dos laboratórios? Está dentro da média?
Sim, avaliamos recentemente sete laboratórios e todos estavam dentro da média, capacitados a fazer esses ensaios. A ProAcústica confere certificação a essas empresas, atestando a sua idoneidade.
Que balanço o senhor faz dos quase quatro anos de ProAcústica?
Começamos a partir de uma iniciativa de seis empresas em 2011 e hoje contamos com quase 70 afiliadas, dentre elas as principais companhias de acústica, fabricantes de materiais, projetistas, instaladores etc. A entidade congrega uma massa crítica interessante do mercado, tendo boa representatividade e visibilidade no segmento. A ProAcústica é ouvida em todas as questões relacionados a ruído urbano.
Quanto aos cursos, quais as novidades que estão previstas para 2015?
Teremos cursos de atualização e formação, como o Desempenho Acústico, de 16 horas, e o curso básico Acústica Arquitetônica, com oito horas de duração. Também oferecemos o curso Acústica Ambiental e das Edificações, de 90 horas, ministrado por professores de Portugal e com a parceria da Poli/USP.
O que o senhor espera da 2ª Conferência Municipal sobre Ruído, Vibração e Perturbação Sonora?
A conferência já é uma data do município, que coincide com o Dia Internacional de Consciência do Ruído. Organizamos um seminário com palestrantes especialistas para motivar a população e os legisladores a se conscientizar sobre o assunto. Nesse ano, teremos como principal tema o mapa de ruído da cidade. Temos o projeto de lei 75/2013, aprovado no dia 10 de março em primeiro turno pela Câmara Municipal. Se aprovado em segunda votação, a prefeitura terá de elaborar o mapa de ruído da cidade de São Paulo.
    Texto de Gisele Cichinelli| Publicada originalmente em Finestra na Edição 92Fonte: http://arcoweb.com.br/finestra/entrevista/entrevista-davi-akkerman-presidente-proacustica

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