Construtor de obras e de ensino: porque Vilanova Artigas continua importante

Por: Alvaro Puntoni
Edição 255 - Junho/2015



De obras e de ensino: porque Vilanova Artigas continua importante

Vilanova Artigas não deixou de existir nestes 30 anos após sua morte, ou melhor, desde sua formação como arquiteto há quase 80 anos. A profundidade de sua atuação como arquiteto e professor, além de sua incisiva atuação política, deixou sulcos indeléveis em todos com os quais interagiu direta ou indiretamente. Essencialmente, o fundamental arquiteto Artigas foi um construtor.
A palavra construção, segundo o Houaiss, vem do latim constructĭo ou construĕre, que é a junção de duas palavras: con, "junto", mais struĕre, que significa "amontoar, empilhar, reunir, criar, erguer". Quando se constrói algo se reúne a matéria com algum sentido. Interessante notar que constructo (ou construto) é, segundo Houaiss, uma construção puramente mental apesar de advir da mesma palavra em latim que designa a construção física. Mas segue como interessante a noção de construir algo concreto de forma enlaçada com a elaboração da ideia ou o plano ideal.
Artigas, em sua importante aula Desenho, em 1967, nos recorda que para construir é necessário fazê-lo duas vezes, sendo uma necessariamente anterior, em pensamento. Artigas construiu casas, escolas, ideias. Daí sua importância central para a arquitetura brasileira.

CONSTRUTOR DE CASAS Artigas edificou casas fundamentais. Para os arquitetos de São Paulo formados pelas escolas politécnicas e, após o final dos anos de 1940, pelas recém-abertas escolas de arquitetura, não havia alternativa senão trabalhar para a iniciativa privada e construir casas. Artigas se forma em 1937 e por anos se dedica ao desenho e à construção de casas - com exceções como a Rodoviária de Londrina, a Casa da Criança, o Estádio do Morumbi. Com aguçada visão crítica, Artigas redesenhou a casa tradicional, incorporando ao volume principal os serviços comumente colocados em segundo plano, subvertendo a lógica vigente de segregação e dominação.
Operou os níveis do chão, introduzindo o desenho do movimento do corpo no espaço. Desenvolveu a estrutura como elemento expressivo do edifício, suprimindo aspectos puramente decorativos e desprovidos de sentido construtivo. Finalmente, implantou as casas considerando a inserção urbana, pensou-as como volumes providos de faces expressivas e passíveis de existirem independentes de limites imaginários (a propriedade), como se o espaço da urbe fosse único e de todos.
Nas casas Heitor de Almeida (Santos, 1949), Czapski (São Paulo,1949) e D'Estefani (São Paulo,1950), introduz as rampas como elemento de ligação entre planos de vida situados em níveis ligeiramente sobrelevados uns aos outros. Esses planos incorporam o percurso a partir da cidade, levando-o de forma natural para dentro do espaço mais fechado ou íntimo. Como se o desenho da casa fosse um discurso, uma forma de qualificar um contínuo caminho entre o indivíduo e a sociedade, e vice-versa.

CONSTRUTOR DE ESCOLAS E IDEIAS Artigas foi também construtor de escolas e ideias: escolas como espaços físicos e escolas de pensamento. Nas "casas para o ensino" - expressão utilizada por Fabio Valentim na dissertação de mestrado Casas para o ensino: as escolas de Vilanova Artigas (2003), Artigas reúne e coaduna os serviços e os espaços de convivência em um único bloco, estabelecendo relações entre espaços internos e externos por meio de espaços de transição. A estrutura passa a ser protagonista e se converte em arquitetura e no elemento mais expressivo do edifício. Mais importante: são edifícios sem portas, como devem ser os espaços mais dignos dedicados à educação.
Quase imediatamente após as primeiras escolas, Artigas desenha a FAUUSP, que contém toda a discussão acerca da educação e formação do arquiteto conduzida pelos fóruns organizados na escola com fundamental participação de Artigas.
Simultaneamente à atividade como arquiteto, e de forma indissociável, Artigas sempre foi professor. Como tal, compartilhou de forma intencional e generosamente o conhecimento para formar outros arquitetos, novos interlocutores para continuar a construir ideias, novas casas e escolas, ou as duas coisas, e dessa forma mudar o futuro. O curso da FAUUSP é organizado por um grupo de professores arquitetos da politécnica - entre eles, Artigas - vinculados e comprometidos com questões políticas, culturais e nacionais. Assim podem ser compreendidas as reformas de ensino de 1962 e 1968 que elaboraram uma nova matriz curricular: um conjunto de disciplinas que reforçam a formação humanista e generalista do arquiteto, sem deixar de atentar para sua formação técnica, que torna possível fazer uma arquitetura marcada simultaneamente pela técnica e por um compromisso social.
Em 1968, a ditadura militar interrompe o processo de discussão e de consolidação do curso de arquitetura, e impõe um processo de destruição cultural que solapa o alicerce construído arduamente desde 1930. Artigas é aposentado compulsoriamente pela Universidade em 1969, no auge de sua carreira. Fica afastado por quase 13 anos da escola que desenhou em todos os sentidos.
Serão necessários outros 20 anos, no processo de redemocratização na década de 1980, para inaugurar a revisão e a crítica da experiência anterior e a discussão sobre a arquitetura pós-moderna assimilada de forma afoita e precipitada pelos arquitetos brasileiros ávidos pela novidade. Artigas regressa à FAUUSP por apenas quatro anos, quando será reconhecido como professor titular.
O esgotamento da experiência pós-moderna e o revigoramento das noções fundadas pelos arquitetos modernos brasileiros insinuam que talvez seja importante não abdicar de toda a inteligência construída anteriormente, e que é perfeitamente possível construir a partir do que já se sabe.
Cabe aos arquitetos assumir seu papel na condução dessa questão por meio de sua atividade precípua, que é o exercício pleno da profissão e na formação de novos arquitetos e urbanistas comprometidos com seu papel na construção da cultura nacional.
Como alunos dos alunos do professor Artigas. Construindo casas e escolas. Sempre duas vezes. Como nos ensinou Artigas. Daí sua importância inegável.

ALVARO PUNTONI é arquiteto (FAUUSP, 1987), com mestrado (2000) e doutorado (2005) pela mesma instituição. É professor de projeto da FAUUSP (desde 2002) e da Escola da Cidade (desde 2002). Além de fundador da Escola da Cidade, tambem é coordenador do conselho de graduação e do curso de pós-graduação "América: geografia, cidade e arquitetura", desde 2010. Professor visitante do Taller Sudamerica da Fadu UBA (Buenos Aires, Argentina). Mantém o escritório Grupo SP desde 2004

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/255/construtor-de-obras-e-de-ensino-porque-vilanova-artigas-continua-353329-1.aspx

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