Fotografando a obra de Oscar Niemeyer [Parte 2]

Pavilhão do Brasil, Nova York, 1939. Image © F. S. Lincoln      Pavilhão do Brasil, Nova York, 1939. Image © F. S. Lincoln

Ontem publicamos a primeira parte desse artigo especial para o Dia da Fotografia: Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura. Hoje, a segunda parte do artigo, centrada no olhar sobre a obra de Oscar Niemeyer.

Por Andrey Rosenthal, Ana Cláudia Breier e Maíra Teixeira

Brazil

O edifício para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York de 1939 é considerado o “lançamento mundial de Oscar Niemeyer”. O projeto, realizado em conjunto com Lucio Costa e Paul Lester Wiener, também marcou o inicio da relação do arquiteto com a historiografia. Uma história contada a partir das lentes dos fotógrafos. O Pavilhão foi um sucesso de público e de crítica, além de “amplamente documentado pelas revistas de arquitetura que cobriram a Feira”. Registros únicos, que se tornaram históricos, realizados por fotógrafos estrangeiros como Richard Wurts, Fay S. Lincoln e G. E. Kidder Smith. No entanto, as imagens então divulgadas não exploraram o edifício na sua totalidade.

Richard Wurts iniciou sua carreira em família, na firma dos irmãos Lionel e Norman Wurts (pai e tio, respectivamente). O Wurts Brothers Company (de 1894) foi um importante estúdio nova-iorquino, sendo um dos primeiros especializados em fotografias de arquitetura. Richard tornou-se reconhecido justamente pelo seu trabalho na Feira Mundial de 1939, publicando um livro com suas fotografias – The New York World’s Fair 1939/1940 in 155 photographs by Richard Wurts and others – e com textos de Stanley Appelbaum.

Fay S. Lincoln foi fotógrafo especializado em arquitetura com grande destaque na década de 1930. Especialização surgida em função da necessidade de divulgação comercial das edificações e, até aquela data, inexistente no Brasil. F. S. Lincoln, como era conhecido profissionalmente, entre outros trabalhos importantes, atuou junto à comissão Colonial Williamsburg, de 1935, que documentou edifícios históricos na Virginia. As fotografias de sua autoria do Pavilhão do Brasil são até hoje as mais reproduzidas nos livros de arquitetura.

O mais famoso profissional que registrou o Pavilhão e aquele considerado “o melhor fotógrafo de arquitetura norte-americano” foi George Everard Kidder Smith. Formado em arquitetura em 1938, chegou a atuar como fotógrafo durante a Segunda Guerra Mundial. Sua fama não se deve especificamente ao registro da Feira de 39, mas sim pela sua participação no livro-catálogo Brazil Builds: new and old 1652-1942, que acompanhava a mostra de mesmo nome organizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, MOMA, em 1943. Kidder Smith, juntamente com o curador Philip Goodwin, viajaram ao Brasil em 1942, onde permaneceram por aproximadamente seis meses. Os dois profissionais contaram com o apoio de importantes personalidades, como Gustavo Capanema (MESP), Rodrigo Mello Franco de Andrade (SPHAN), Assis Figueiredo (DIP) e Nestor de Figueiredo (IAB). Foi através da contribuição do SPHAN, que se estabeleceu a comunicação entre Kidder Smith, Goodwin, Lucio Costa e Niemeyer.

A maioria das fotos publicadas no catálogo é de autoria de Kidder Smith, mas há participação de outros profissionais como: Jorge de Castro, Benicio Whatley Dias, Samuel Gottscho, Eric Hess, Burton Holmes, Photo Jerry (estúdio responsável por fotografias de maquetes), Leon Liberman, Photo Rembrandt, P. C. Scheier (fotógrafo com atuação em São Paulo, e que também documentou o trabalho de Niemeyer no Ibirapuera), Hugo Zanella e Marcel Gautherot (que viria a ser um dos principais fotógrafos de Niemeyer).

A fotografia que ilustra a contracapa do Brazil Builds é do recém-inaugurado Cassino da Pampulha (em uma das poucas fotos coloridas do álbum), demonstrando o prestígio de Niemeyer já naquele momento. Para corroborar nesta afirmação, basta verificar que Niemeyer é o arquiteto com maior número de obras na publicação – MESP; Pavilhão brasileiro; Obra do Berço; residências Cavalcanti, Johnson e Niemeyer (da Gávea); Hotel de Ouro Preto; Cassino, Casa do Baile e Yacht Club da Pampulha.

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Cassino da Pampulha. Image © Kidder Smith     Cassino da Pampulha. Image © Kidder Smith

Brazil Builds foi o primeiro de uma série de livros publicados por Kidder Smith, entre os quais destacamos: Sweden builds; Switzerland builds; Italy builds; New architecture of Europe; A pictorial history of architecture in America; The architecture of the United States e Source book of American architecture: 500 notable buildings from the 10th century to the present. Também se preocupou com questões relacionadas com a defesa do patrimônio, atuando na proteção de ícones da arquitetura moderna mundial, como a Robie House, deFrank Lloyd Wright e a Maison Savoye, de Le Corbusier.

A fotografia permite que se eternizem momentos que não necessariamente condizem com a realidade do local fotografado. A imagem perpetuada do Pavilhão Brasileiro de 39 é de um ambiente apurado e extremamente asséptico, com damas e cavalheiros elegantes a “flanar” por entre a exposição exótica brasileira. Mas, como afirma o fotógrafo Nelson Kon: “a vivência da arquitetura é insubstituível. Não há forma de representação que possa reproduzir a experiência de estar, ver, sentir, cheirar, conviver com a arquitetura”. E assim, pode-se afirmar que imagem construída pelos fotógrafos foi bastante diferente da vivenciada por alguns visitantes do Pavilhão, como Adalzira Bittencourt. Para a escritora, advogada e feminista, o jardim interno não passava de um “terreirinho sujo” e o espelho d’água, uma “poça d’água estagnada, mal cheirosa, recoberta de limo e espumas”. A visitante ainda retrata o espaço interno como descuidado, “o soalho sujo; pontas de cigarro, papéis, um desleixo horrível”. E para o sabor desta visitante, nem o próprio café servido no evento escapou de seus comentários:

“Fomos ao café. Seria o lenitivo. Na América, onde o café é horrível – chá de café como diz uma brasileira amiga, vamos saborear o delicioso café do Brasil, o melhor do mundo! Mas nova decepção me esperava. O café era servido por americanas que não diziam uma só palavra em português. Disseram-me em bom inglês que o café era do Brasil, feito, porém, à moda da América. Café ralo, sem gosto de café. Imbebível”.

Brazil Builds inaugurou a série de exposições internacionais sobre arquitetura brasileira. Outra mostra relevante foi Latin American Architecture since 1945 (de 1955), que contou com o curador Henry-Russell Hitchcock e a fotógrafa Rosalie Thorne McKenna. Ambos visitaram onze países e analisaram 47 obras. Entre arquitetos como Jorge Hardoi, Amâncio Williams, Le Corbusier, Emilio Duhart, Wallace Harrison, Luis Barragan, Felix Candela, Juan O ‘Gorman, Mario Pani, Antonio Bonet, Julio Vilamajó e Carlos Raúl Villanueva, Oscar Niemeyer foi novamente o distinguido com o maior número de construções estudadas: o Banco Boa Vista, a Igreja da Pampulha, a Casa de Canoas, o Centro Técnico de São José dos Campos e o MESP.

Brézil

O sucesso de Brazil Builds abriu as portas para a divulgação da arquitetura moderna brasileira no exterior. A importância de uma instituição como o Museu de Arte Moderna de Nova York “foi central para a difusão em escala mundial do modernismo brasileiro”. Prestigiadas revistas internacionais, como a francesa L’Architecture d’Aujorud’hui e a estadunidense Architectural Forum, passaram a divulgar a arquitetura produzida no país. O francês Marcel Gautherot foi um dos profissionais que participou de Brazil Builds, com fotografias da Igreja e do Museu de São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul e do Cassino, Casa de Baile e Yatch Club da Pampulha, Minas Gerais. Após este momento, Gautherot viria a ser “o autor dos principais registros dos trabalhos de Niemeyer e da arquitetura moderna em geral”.

O fotógrafo parisiense Marcel Gautherot era também arquiteto, formado pela École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs. Um dos seus primeiros trabalhos foi a serviço do Musée de l’Homme, que o enviou ao México, em 1936, para registro dos tipos locais (obra baseada na estética do cineasta Serguei Eisenstein). O interesse pela etnografia e pela cultura latina lhe aproximou do romance Jubiabá, de Jorge Amado. Com um grande fascínio por viagens e influenciado pela cultura baiana, decidiu conhecer o Brasil, especificamente a Amazônia. Em 1939, desembarcou em Belém e logo partiu num barco pela floresta. Em 1940, em função da Segunda Guerra Mundial e a serviço do exército francês, foi para a África. De volta ao Brasil, se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde conheceu Rodrigo Mello Franco de Andrade, que o convidou para colaborar com o SPHAN. Contratado como fotógrafo, viajou ao sul do Brasil realizando os registros que integraram Brazil Builds. Para Lucio, Gautherot foi “o mais artístico dos fotógrafos do patrimônio”.

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Congresso Nacional. Image © Marcel Gautherot       Congresso Nacional. Image © Marcel Gautherot

Gautherot é tido como um dos mais importantes fotógrafos de Niemeyer, colaborando com ele da Pampulha até Brasília. Carlos Drummond o considera "um dos mais notáveis documentadores da vida nacional", em uníssono com Darcy Ribeiro e Rubem Braga. Não se sabe ao certo quando se iniciou a relação entre o fotógrafo e o arquiteto, mas Gautherot atribui ao seu trabalho para o SPHAN: “porque o Patrimônio construiu, mandou construir um hotel em Ouro Preto, que era do Oscar, e naquela época, pediram para tirar fotografia do hotel. Eu acho que eu conheci o Oscar naquela ocasião”. A partir daí, Gautherot seguiu documentando o trabalho de Niemeyer, com destaque para Brasília. Interessante observar que o fotógrafo registrou dois momentos da nova Capital: o do grande canteiro de obras e o das edificações “prontas” e habitadas, ratificando a importância da sua lente.

Gautherot participou também de importantes publicações sobre a obra de Niemeyer, como as de autoria de Stamo Papadaki, todas fundamentais para a difusão internacional do nome do arquiteto – com edições nos Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Japão – e para a sua consolidação como o mais importante criador da jovem arquitetura moderna brasileira. A cumplicidade entre os dois era evidente, tanto que Niemeyer “participava diretamente da seleção dos ângulos e das perspectivas para a documentação de sua obra”. Outro aspecto desta convivência, é a sua participação na revista Módulo, na qual fez muitas reportagens relacionadas a temas variados.

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Congresso Nacional. Image © Marcel Gautherot      Congresso Nacional. Image © Marcel Gautherot

A obra de Gautherot é composta de mais de 25 mil negativos e atualmente pertence ao Instituto Moreira Sales, no Rio de Janeiro. Além das fotografias, ainda engloba diversos livros publicados, como: Brazil: Two hundred and seventeen photographs; São Paulo; Aratu: imagem da Bahia industrial; Pernambuco: Recife-Olinda; Brasília; Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem e Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador, entre outros.

Jean Manzon foi mais um francês que registrou a obra de Niemeyer. Também chegou ao Rio de Janeiro na década de 1940, trabalhando para o Departamento de Imprensa e Propaganda. Foi colaborador das revistas Módulo e Cruzeiro, fazendo fotojornalismo. Participou, com fotografias do Banco Boavista no livro The Work of Oscar Niemeyer, de Papadaki (1950). Destacou-se como cineasta, influenciando muitos jovens diretores, entre os quais Carlos Niemeyer, responsável pelo Canal 100. Vale lembrar uma diferença importante entre os dois conterrâneos: Gautherot aproveitava-se do momento único enquanto Manzon o criava.

Dentro da série de fotógrafos que fizeram uma espécie de inventário ou catálogo da obra de Niemeyer, tem-se a figura do japonês Yukio Futagawa. O fotógrafo conheceu Niemeyer em Paris, e, juntamente com Rupert Spade, lançou o livro Oscar Niemeyer, em 1971. Futagawa é fotógrafo profissional de arquitetura e passou os últimos cinquenta anos percorrendo o mundo. Em 2008, esteve no Brasil e realizou um sonho: registrar Niemeyer e Álvaro Siza juntos.

Brasil

Os irmãos e fotógrafos autodidatas José e Humberto Franceschi começaram na arte da fotografia no final da década de 1950. O primeiro trabalho dos gêmeos foi o levantamento das obras de Aleijadinho, em 1952, a convite do primo Vinícius de Morais. Fazendo parte do círculo de amizades de intelectuais e boêmios cariocas de Niemeyer, os Franceschi tiveram a chance de trabalhar em Brasília e de colaborar na Módulo. Assim, tornando-se uma espécie de “os fotógrafos oficiais-nacionais” do arquiteto, a ponto de receberam, “de graça, o projeto do estúdio onde desenvolviam suas experiências”.

Atualmente, uma nova geração de fotógrafos tem trabalhado com o registro da obra de Niemeyer. Como “fotógrafo oficial” temos Carlos Eduardo Niemeyer. Neto do arquiteto, Kadu teve sua formação profissional no Canal 100, mas “aprendeu a fotografar com o avô ainda na época de Brasília”. Desde então, tem participado ativamente de diversos trabalhos como a produção de exposições e de livros. No entanto, trata-se de um momento diferente daquele que vivenciou Gautherot, em que Niemeyer participava da seleção das imagens, agora os profissionais brasileiros trabalham na maioria das vezes como autônomos e fazem o registro das obras independente do desejo do autor.

Entre os fotógrafos contemporâneos, Leonardo Finotti é um nome de grande destaque. O artista mineiro tem sido responsável por uma ampla documentação da obra de Niemeyer, pretendendo atingir um feito único, registrar toda ela. Também formado em arquitetura, Finotti montou duas importantes exposições: 100 fotos, 100 obras e 100 anos, em Lisboa, e Brasília 50 anos, Niemeyer 100 anos, em Cascaes.

No campo internacional, Niemeyer também continua sendo registrado. Matthieu Salvaing veio ao Brasil e viajou na companhia de Oscar Niemeyer fazendo o registro das suas obras, do Rio a Brasília e de São Paulo a Belo Horizonte. Michel Moch é outro colaborador freqüente. Mais recentemente, as obras de Oscar receberam uma documentação temática, através das lentes de Alan Weintraub, com os livros: Oscar Niemeyer Houses e Oscar Niemeyer Buildings, ambos com textos de Alan Hess.

Referências
Philip Goodwin, Brazil Builds: Architecture New and Old 1652-1942, Museum of Modern Art, New York, 1943.
Stamo Papadaki, The work of Oscar Niemeyer, Reinhold, New York, 1951, 2 ed.
Henry Russell Hitchcock, Latin American Architecture since 1945, The Museum of Modern Art, New York, 1955.
Stamo Papadaki, Oscar Niemeyer, George Braziller, New York, 1960.
Marcel Gautherot, Brasília, Wilhelm Andermann Verlag , Munich, 1972.
Marcel Gautherot, Depoimento - Programa de História Oral, Arquivo Público do Distrito Federal, Brasília, 1990.
Oscar Niemeyer, Minha arquitetura: 1937-2004, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2004.

Andrey Rosenthal Schlee é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Pelotas (1987), mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) e Doutor de Universidade de São Paulo (1999), professor da Universidade de Brasília. Ana Cláudia Böer Breier é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Santa Maria (2002), mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005) e Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (2013). Atualmente, é professora no Instituto Federal Farroupilha - Campus Santa Rosa. Maíra Teixeira Pereira é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Viçosa (2001), mestre pela Universidade Federal de Viçosa (2003) e Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (2014). Atualmente é professor efetiva da Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Fonte: Ana Cláudia Böer Breier. "Fotografando a obra de Oscar Niemeyer [Parte 2]" 20 Ago 2015. ArchDaily Brasil. Acessado 21 Ago 2015. http://www.archdaily.com.br/br/772210/fotografando-a-obra-de-oscar-niemeyer-parte-2

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