Por um plano de arborização para a cidade



foto: fotografia.folha.uol.com.br

Há pouco mais de uma semana, um grupo de moradores das redondezas do Largo da Batata deram um presente à cidade de São Paulo plantando 32 mudas de árvores naquele espaço público caracterizado pela sua aridez. O propósito do grupo foi o de criar regiões de sombra e amenidades para os usuários, especialmente quando a cidade enfrenta temperaturas próximas aos 40 graus.
Depois de meses de visitas e reuniões com órgãos públicos para apresentar a reivindicação de mais árvores no Largo da Batata e não tendo obtido respostas às suas solicitações, os moradores optaram por uma solução que para muitos pareceu um ato de rebeldia civil. Como resultado da ação e do plantio disciplinado de espécie nativas, a praça amanheceu arborizada!
A “rebeldia cidadã” que vem se manifestando em várias cidades brasileiras, resulta, em grande parte, da dificuldade dos gestores públicos em oferecer soluções para problemas cotidianos, que no primeiro olhar parecem ter pouca importância. Se por um lado a cidade precisa ter uma certa regulamentação das ações individuais ou de grupos informais no espaço público, por outro, a cidade precisa conviver com as novas práticas relacionadas a esses mesmos espaços; que vão desde seu reconhecimento como lugar privilegiado para o exercício da cidadania, como também espaço merecedor de especial atenção, a começar por uma completa mudança em relação aos padrões urbanísticos adotados na sua construção.
Nos últimos anos, os movimentos de vizinhança têm crescido exponencialmente na cidade de São Paulo, quase sempre como resposta a um certo imobilismo do poder público no trato dos seus espaços urbanos. Herança da tradição do urbanismo modernista – ainda presente de forma marcante na cultura pública –, calçadas, praças, esquinas, becos, parques e escadarias não são enquadrados como os grandes temas da cidade.
Para eles se dá pouco importância: quase sempre são implantados sem projetos prévios e, quando se trata dos já existentes, a manutenção é inexistente. O espaço público em todas suas dimensões não é entendido como o local privilegiado da mobilidade urbana e da fruição da cidade. Só para reforçar sua importância, é bom lembrar que, na cidade de São Paulo, cerca de 13 milhões de pessoas utilizam o modo a pé para seus deslocamentos diários, quase o mesmo número de pessoas que circula nos transportes públicos.
No caso da arborização urbana, os absurdos se acentuam. São Paulo é um grande palimpsesto das perversões cometidas contra as árvores, as protetoras do ambiente urbano. Temos centenas de exemplos, que podem ser encontrados nas calçadas da metrópole, das piores práticas urbanísticas conhecidas na história das cidades. Para lembrar apenas alguns maus exemplos, temos a solução que encapsula a árvore em um minúsculo canteiro, que se leva como obstáculo da calçada, impedindo que as águas das chuvas sejam captadas pelo solo; outra prática corriqueira é a colocação de grades e outras formas de “proteção” que impedem o seu crescimento; e ainda as opções de “padrões urbanísticos informais” adotados na cidade vão desde a construção de calçadas destruidoras das raízes até exemplos mais extremos como o das raízes cimentadas.
Não podemos esquecer que até pouco tempo, os troncos eram caiados de branco, pois como reza a lenda, tal prática evitaria a subida das formigas ávidas por destruir os caules e folhas das nossas árvores. Prática essa recentemente abandonada pela municipalidade, que continua restrita apenas à pintura dos postes de energia elétrica.
Além dos mais diversos “padrões urbanísticos”, as árvores urbanas sempre estão subordinadas a prioridades de outros equipamentos. O primeiro e mais nefasto é a fiação aérea das operadoras de serviços públicos, que se reproduzem cada vez em maior número. É fácil constatar essa submissão observando a poda das árvores, na maioria das vezes realizada para permitir ou não atrapalhar a passagem dos fios, que, mesmo assim, sempre são responsabilizadas pela queda de energia; além do funcionamento dos sistemas dependentes do posteamento público. Para os gestores desses serviços, ao contrário de cumprirem a lei municipal que obriga o enterramento dos fios, melhor seria que as árvores não existissem para atrapalhar sua eficiência.
As árvores também são submetidas às imposições dos seus vizinhos, os moradores de prédios e casas que compartilham o uso das calçadas. Parcela considerável deles ainda tem como cultura, a priorização do acesso às garagens ou então, para a implantação de equipamentos privados, como os suportes dos sacos de lixo que infestam as calçadas da cidade. Em alguns casos, os moradores se incomodam com as folhas que caem no outono e obrigam à uma varrição diária. Enfim, práticas de uma cultura que já deveria estar extinta.
A crise hídrica e de geração de energia que afeta as nossas cidades nos obriga a refletir sobre questões que não faziam parte da pauta dos problemas urbanos. A arborização é hoje uma questão central. E, infelizmente, não temos planos ou projetos para enfrentar o problema. Em São Paulo,  a legislação atual se limita à disciplina dos serviços de poda ou corte, o qual deve ser autorizada pelo organismo responsável.
Nesses tempos atuais de mudanças climáticas, a arborização urbana tem um papel vital na sustentabilidade das cidades e é necessário definir planos e projetos para sua implantação. As árvores respondem por um conjunto multifuncional de benefícios ambientais, sociais e econômicos, que ajudam a melhorar a qualidade de vida de milhares de moradores.
Entre os arquitetos e urbanistas existe um consenso sobre a importância da arborização das cidades, como fator estético e ambiental. A princípio todos concordam que uma cidade arborizada tem menos problemas de ilhas de calor, o ruído diminui, o ar fica menos poluído e a drenagem flui melhor. Uma boa arborização atenua a temperatura ambiente, proporciona sombras agradáveis e conforto térmico nos ambientes externos. E, no que concerne à questão das enchentes, as árvores diminuem e retardam o escoamento superficial das águas em direção às baixadas, além de permitirem a infiltração da água no solo ao redor de seu tronco nas áreas de calçadas pavimentadas.
A aceleração dos eventos naturais que afetam as cidades – como ventos, descargas elétricas, tempestades e enchentes –, obriga-nos a rever todo esse conjunto de padrões urbanísticos atuais e, principalmente, a pensar na pequena escala da cidade, aquela do quotidiano dos seus moradores.
Assim, o pequeno gesto de “rebeldia civil” que resultou no plantio de 32 árvores no Largo da Batata, e que vem a contribuir para criar áreas sombreadas para que seus frequentadores possam melhor usufruir desse espaço público, também serve de alerta tanto para os gestores públicos e para os moradores da cidade. Em algum momento da nossa história urbana, demos preferência ao deus moderno da velocidade propiciada pelo transporte individual, o carro, e suas consequências. Trata-se agora de reverter o padrão urbanístico, optando pelas soluções desenhadas para a escala do cidadão que utiliza os espaços públicos e, para começar, esse usuário sempre vai preferir fruir a cidade à sombra refrescante das árvores urbanas.


Elisabete França é arquiteta e urbanista, diretora de conteúdo do portal ARQ!BACANA e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie. Atualmente está à frente do Studio 2E Ideias Urbanas e leciona para instituições como a Fundação Álvares Penteado e USP Cidades. Entre 2005 e 2012, foi superintendente e secretária-adjunta da Secretaria Municipal de Habitação da cidade de São Paulo (Sehab-SP).

Fonte e imagens completas: http://www.arqbacana.com.br/internal/arq%21ideias/read/14417/por-um-plano-de-arboriza%C3%A7%C3%A3o-para-a-cidade?utm_medium=e-mail&utm_campaign=Padr%C3%A3o&utm_source=mail2easy

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