Mudanças no escopo: como lidar

Por Giovanny Gerolla

Edição 216 - Março/2012

Sergio Colotto/shutterstock bbbb

Ninguém entra em uma cafeteria, toma um café, pede o segundo, bebe um terceiro, e na hora de sair paga só o primeiro. Da mesma forma, não dá para pensar que o cliente do arquiteto dirá, terminada a obra, que não gostou da tinta acrílica vermelha exigida desde o início, e que quer melhorar a paginação com uma pastilha de vidro na mesma parede, sem ter de arcar com os custos adicionais disso.

Particularidades à parte, a diferença entre o exercício da arquitetura e a venda do cafezinho é praticamente nenhuma. Isso porque trabalho é negócio - seja ele qual for -, e para tratá-lo assim, o jeito é ser profissional de verdade, documentando o máximo que puder o escopo de projeto no contrato: é a única maneira de se garantir contra o cumprimento de tarefas não combinadas previamente.

CADA CLIENTE, UM PERFIL
"Eu sou direta, objetiva, e percebi, depois de muito sofrer, que projeto residencial não é o meu perfil, exatamente por conta dos alongamentos de escopo", desabafa a arquiteta e mestre em coordenação de projetos e racionalização de obras Eliane Adesse. Há mais de 30 anos projetando, a arquiteta abandonou deste nicho para entrar no comercial de lojas de shoppings. Há cinco anos vem trabalhando com escopo detalhadíssimo em contrato preparado por seus advogados.

"Quando você faz residencial, entra na intimidade do cliente, vira um amigo dele; há uma confusão quase inevitável do pessoal com o profissional, e isso fica muito complicado quando o cliente não gosta do resultado da obra, ou decide mudar alguma coisa quando o projeto executivo já está pronto", pondera.

O CLIENTE TEM SEMPRE RAZÃO?
O arquiteto Henrique Cambiaghi acredita que sim, mas faz ressalvas: "o escopo é uma proteção a arquitetos e projetistas; já as propostas e desejos de mudanças que forem surgindo depois poderão ser negociadas uma a uma - se simples e pertinentes, serão moeda de troca para futura indicação a novos trabalhos, ou estabelecimento de um maior vínculo com o cliente", diz.

PRECAVENHA-SE
Há clientes que pedem alterações frequentes e custosas. Quem quiser ser elegante nessa hora deverá expor, claramente, o impacto da mudança, em termos de prazo e custos para o total do empreendimento, registrando tudo por escrito ou por email. É o que indicam os arquitetos Tatiana Marques e Antonio Fabiano Junior. Jovens, mas já com alguma experiência, não dão um passo sequer, sem antes fechar contrato com escopo detalhado.

"Primeiro vem a reunião com o cliente; daí preparamos um escopo, fazemos o orçamento e, em cima dele, formalizamos tudo num contrato de prestação de serviços", descreve Tatiana. Só então é que os trabalhos têm início. "As pessoas não têm ideia do que seja nosso trabalho; por isso é preciso explicar e detalhar tudo desde o início, para não haver desentendimentos" justifica Antonio.

Cambiaghi relata que outro problema comum é clientes denominarem fases de projeto de forma diferente daquela utilizada por arquitetos. "Para evitar isso, é possível consultar a ABNT/NBR 13.531 e os vários manuais de escopo acessíveis pela internet", indica.

O QUE SERÁ E NÃO SERÁ
Pode ser importante também, no caso do projeto residencial, enumerar em escopo até mesmo o que não será feito: "Registrar, por exemplo, que não daremos cópias de projetos, ou que cálculos de estrutura, hidráulica e elétrica não fazem parte do nosso trabalho", confirma Antonio.

Algumas situações são clássicas, e bastante constrangedoras: clientes que mudam a tipologia depois de pronto o projeto executivo, em função de rumos mais interessantes do mercado imobiliário; outros que querem novo sistema construtivo, depois de iniciada a obra, ou investidores e incorporadores que deixam para definir a construtora só depois de aprovado o projeto na prefeitura, ou mesmo depois de lançado o empreendimento. "É sempre bom solicitar a aprovação formal de cada etapa do trabalho exercido", indica Cambiaghi.

DOCUMENTE TUDO
Se com o escopo os problemas já acontecem, sem ele os riscos são grandes, e o prejuízo, incalculável. Eliane Adesse ensina que, em obras comerciais, a preço fechado, o contrato pode - e deve - definir inclusive a especificação de materiais. "No residencial isso é mais difícil, mas, mesmo assim, o trabalho com arquitetura é dinâmico, e a experiência de cada profissional é que vai mostrar o que o arquiteto pode ou não inserir como parte do escopo no contrato", avalia.

A ideia é documentar tudo o que se fez, faz e fará, além de muito dialogar e esclarecer, para não haver dúvidas. "Gosto de fazer, em cada obra, um caderno de atas, onde tudo é anotado", explica Eliane. "Se há um adicional, como a reforma do banheiro que não existia no escopo original, assino um segundo contrato, com um valor próprio para a nova etapa de trabalho. O negócio é deixar de ser acadêmico e de confiar na boa vontade do outro, para ser profissional de mercado, do começo ao fim", conclui.

Sergio Colotto/shutterstock bbbb

Dentro e fora do escopo
- O escopo deve ser escrito da forma mais simples possível, evitando termos muito técnicos. Se usá-los, explique-os de forma direta e sucinta
- Evite generalidades e palavras dúbias - "assentamento de revestimentos cerâmicos ou semelhantes", sem especificar o que seria o "semelhante", ou "estudos para layout de interiores", sem prever um limite máximo de número de estudos a apresentar
- Nunca deixe um pedido ou exigência do cliente sem resposta. Respostas dadas de boca devem ser documentadas, por escrito, ou por email
- Se sentir, desde as primeiras reuniões, que o cliente é do tipo que vai alongar o escopo, preveja um tempo maior para trabalho no projeto ou na obra, aumentando o valor da proposta. Outra opção seria agradecer o cliente pela oportunidade, e desistir do trabalho
- Diga ao cliente resistente que escopo assinado é também a proteção dele, contra esquecimentos e negligências do arquiteto
- Consulte manuais de escopo de projeto escritos por parcerias entre arquitetos e entidades como Asbea, Abece, Abrasip, Secovi, Sinduscon e Sindistal, entre outras, acessíveis emwww.asbea.org.br ou www.manuaisdeescopo.com.br.

Fonte : http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/216/mudancas-no-escopo-como-lidar-252577-1.aspx

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