“Arquitetura para os pobres não precisa ser uma arquitetura pobre”
Autor: iabtocantins
| Publicado em: domingo, maio 24, 2015 |
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Foto: Tetris apartments. Blocos de apartamentos do tipo social, vendidos para o Fundo esloveno de Habitação. Foi desenvolvido um edifício de 4 andares, 58 metros de comprimento e 15 de largura
O título do artigo de hoje tem como base o depoimento do Arquiteto César Dorfmann: “Precisamos esquecer a ideia de que arquitetura para pobre é arquitetura pobre. Tem que ser a mesma arquitetura digna. O espaço público é tão importante quanto às edificações.”
Na mesma linha de pensamento, o saudoso arquiteto Oscar Niemeyer costumava dizer em suas entrevistas: “Quando me pedem um prédio público, por exemplo, eu procuro fazer bonito, diferente, que crie surpresa. Porque eu sei que os mais pobres não vão usufruir nada. Mas eles podem parar, ter um momento assim de prazer, de surpresa, ver uma coisa nova. É o lado assim que a arquitetura pode ser útil. O resto, quando ela tiver um programa humano, social, aí ela vai cumprir seu destino.”
Com o mesmo princípio, o arquiteto Alejandro Aravena, um chileno de 45 anos, formado pela Universidade Católica do Chile e casado com uma brasileira, jurado do Pritzker, o prêmio de arquitetura mais prestigiado do mundo, Aravena esteve em São Paulo para participar do seminário Arq.Futuro, que discutiu alternativas para as grandes cidades. Os projetos de habitação social são criticados por ele por fornecer casas pequenas e malfeitas às pessoas. Diante dessa crítica, o senso comum sugere que casas de melhor qualidade deveriam ser maiores e com melhor acabamento. Mas fazer isso seria responder à questão errada. Famílias têm composições e necessidades muito diversas. Alguns lares têm crianças, outros idosos. Em muitos há pessoas trabalhando em casa. Não adianta tentar se adaptar a isso.
Segundo Aravena : “A política pública deveria cuidar daquilo que um indivíduo não consegue por conta própria. Ou seja, permitir que a iniciativa dos próprios cidadãos floresça. Essa é uma abordagem bem pragmática, não tem nada de romântica ou hippie. Nas próximas duas décadas, teremos de construir em média, por semana, uma cidade de 1 milhão de pessoas, com casas de US$ 10 mil por família. Isso somente será possível se formarmos parcerias entre as grandes forças: o capital do mercado privado, a coordenação dos Estados e a capacidade de construir dos cidadãos. Precisaremos do conhecimento dos melhores profissionais disponíveis em todos os campos,de arquitetos , de engenheiros a trabalhadores sociais. Precisaremos do poder da síntese do design”.
Concluindo, Aravena completa: ”É possível construir casas de 40 metros quadrados que podem ser expandidas até 80 metros quadrados, um espaço considerado bom para famílias de classe média. Com os primeiros 50% de todas as casas iguais, podemos otimizar gastos com materiais e métodos de construção. É melhor ter metade de uma casa boa em vez de uma casa pequena, finalizada e mal localizada. Depois, a família pode expandir a casa e aprimorar seu acabamento por conta própria. O termo“puxadinho” é pejorativo e lembra expansões arriscadas, feitas sem meios suficientes. A expansão deve acontecer graças ao desenho arquitetônico, não apesar dele. Para isso, o projeto precisa prever a expansão do imóvel sem a necessidade de mudanças estruturais. Apenas a anexação de espaços”.
Outro papel do poder público é garantir boa localização, esta garantia deve ser atribuição do Estado. As pessoas vêm às cidades para tirar vantagem das oportunidades que elas concentram. Se estiverem localizadas na periferia, longe das oportunidades, cria-se um problema social, político e econômico. Além disso, todos nós, ao comprar uma casa, desejamos que ela valorizasse com o tempo. Por que o dono de uma casa popular pensaria diferente? Habitações bem localizadas ganham valor com o tempo. Deixam de ser somente um abrigo e viram ferramentas para combater a pobreza.
Segundo a pesquisadora Maria Ozanira Silva e Silva, autora do livro “Política Habitacional: verso e reverso”: “A habitação não pode ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos…”. Podemos assim concluir que a habitação de interesse social não é só quatro paredes. As paredes servem como endereço e ponto de referência, estrutura familiar, aconchego, mas a luta por moradia envolve outras necessidades como o emprego para manter a casa, educação para os nossos filhos, saúde, lazer, transporte. Sem isso, só a casa não tem sentido. A política habitacional tem que ser pensada também levando em conta questões mais humanas, como a questão da renda.
Moradia adequada é um lugar na cidade, um ponto a partir do qual se tem acesso à condições dignas, emprego, comércio, equipamentos sociais, a um espaço público de qualidade, à cultura. Vai além do abastecimento de água, luz, pavimentação, sistema de esgoto, que, claro, também são necessários.
Os espaços de uso comunitário devem constar nos itens de qualquer programa habitacional com o mesmo nível de importância dado a unidade habitacional ou à Infra estrutura. Uma política habitacional correta , deve ,não somente produzir casas, mas ter como meta a construção da cidade como um todo (serviços e equipamentos públicos), abrindo e pavimentando ruas, construindo redes de água, esgoto e drenagem, creches, praças áreas de lazer e quadras poliesportivas, preservando os fundos de vale, contendo e reflorestando encostas, dando condições de acessibilidade a todos.
A função primordial da habitação é a de abrigo. Como obra arquitetônica, a função de abrigar não é sua única nem a principal função da habitação, a habitação é uma necessidade básica e uma aspiração do ser humano. A casa própria, juntamente com a alimentação e o vestuário é o principal investimento para a constituição de um patrimônio, além de ligar-se, subjetivamente, ao sucesso econômico e a uma posição social mais elevada. A aquisição da habitação faz parte do conjunto de aspirações principais de uma parcela significativa da população brasileira.
A habitação desempenha três funções diversas: social, ambiental e econômica. Como função social, tem de abrigar a família e é um dos fatores do seu desenvolvimento. A habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após as jornadas de trabalho, acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades fisiológicas e convívio social. Assim, entende-se que a habitação deve atender os princípios básicos de habitabilidade, segurança e salubridade.
Na função ambiental, a inserção no ambiente urbano é fundamental para que estejam assegurados os princípios básicos de infra-estrutura, saúde, educação, transportes, trabalho, lazer etc., além de determinar o impacto destas estruturas sobre os recursos naturais disponíveis. Além de ser o cenário das tarefas domésticas, a habitação é o espaço no qual muitas vezes ocorrem, em determinadas situações, atividades de trabalho, como pequenos negócios. Neste sentido, as condições de vida, de moradia e de trabalho da população estão estreitamente vinculadas ao processo de desenvolvimento.
Já a função econômica da moradia é inquestionável: sua produção oferece novas oportunidades de geração de emprego e renda, mobiliza vários setores da economia local e influencia os mercados imobiliários e de bens e serviços. A construção da habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção civil.
Toda população tem o direito à moradia, cumpre aos governos formular políticas públicas nesta área, propiciando habitações dignas, com recursos tecnológicos de última geração, expandindo a qualidade de vida ofertada à população além das quatro paredes.
Texto de Garibaldi Rizzo, arquiteto e urbanista. Gerente de Políticas Habitacionais da Secretaria de Estado das Cidades. Texto extraído do Diário da Manhã.
Fonte: http://arquitetesuasideias.com/2013/08/22/arquitetura-para-os-pobres-nao-precisa-ser-uma-arquitetura-pobre/
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