Tratamento das ocupações em encostas

Oscar Müller 16 de abril de 2015Arquitetura, Ambientalismo, Synarqs, Urbanismo

Proposta para Encostas

Proposta para Encostas

As questões envolvendo habitação popular nas ocupações em encostas são as óbvias, e as favelas cariocas o exemplo mais conhecido de todos (ainda que o mesmo tipo de ocupação aconteça em todo canto), e ali os espaços comuns de circulação, que parecem o pior nestas situações, não são muito diferentes do que se vê em muitas cidades europeias, nos valorizados e charmosíssimos lugares onde a ocupação medieval não destinava mais espaço para a circulação, do que necessitava um burro de carga.

Ora, o burro de carga dos nosso dias é a scooter, a motocicleta de baixa cilindrada que também se vê nas favelas, fazendo até o serviço de mototáxi, e esta não precisa de muito mais espaço para trafegar do que um jumento. Então além do preconceito, e do tijolo baiano substituindo a pedra, não há muita diferença entre a nossa favela e o vilarejo medieval… Ambos não foram criados originalmente com infraestrutura de serviços, mas tem a graça do inesperado, das soluções particulares, não sofrem da mesmice urbanística impessoal dos espaços legislados, a diferença mais importante aqui, se compararmos com as charmosas ocupações medievais da Europa, é que se desde a favela os panoramas são estonteantes, a visão dela pelo resto da cidade é deprimente.

Este é um dos principais valores a resgatar. A paisagem experienciada tanto por quem vê a cidade desde o morro, quanto por quem vê o morro desde a cidade, e mesmo que não se tenha vistas fabulosas como no Rio, via de regra a paisagem desde o morro é bela, e a vista deste, não.

Secar e drenar é o mínimo que se deve garantir para qualquer assentamento humano, e o custo destes componentes, mesmo no trato usual, é pequena parcela do todo.

Assim como na Europa medieval (e para generalizar, na verdade em quase tudo que é canto), o que compromete mais a segurança das edificações é a água, logo a solução emergencial deve focar coberturas eficientes por um lado, e por outro o saneamento básico. Secar e drenar é o mínimo que se deve garantir para qualquer assentamento humano, e o custo destes componentes, mesmo no trato usual, é pequena parcela do todo. Agora, faça isto direito, que mais seria preciso? Pensando em sustentabilidade, uma solução desta ordem, ainda que emergencial, deve também ser permanente, resolvendo de vez a questão, e isto feito, com as circulações otimizadas, me pergunto se o restante do problema não passa a ser apenas questão cultural…

Lajes sobre pilares com cobertura viva, acompanhando as curvas de nível daqueles morros, e oferecendo a proteção eficiente, o teto que as moradias existentes tanto carecem, seriam a melhor solução. A chuva é retida, a água pode ser reusada, o terreno permanece seco. De cara obtém-se a segurança estrutural tão necessária, ao mesmo tempo que se recupera a paisagem. Por cima das lajes a circulação à nível fica facilitada, ali até se pode permitir ao usuário plantar, mas só. Por baixo, segue tudo como já é, sendo facultado ao morador a possibilidade de regularizar seu imóvel, se atender às exigências de praxe, como qualquer outro cidadão.

As colunas e vigas de suporte para estas lajes, inteligentes, abrigariam a infraestrutura necessária, intercalando entre úmidas e secas. Boa parte de seu custeio deve ser absorvido pelas concessionárias que passarão a vender serviços reincluindo estes consumidores ao meio social, bastando uma normatização adequada feita pelo poder público. Assim não é preciso cavar o terreno para abrigar tubulações, evitando as tradicionais demolições, remoção e abrigo da população envolvida, e construção de novas habitações do processo usual. Desta forma preserva-se e valoriza-se o que ali existe de melhor, e com a menor e mais necessária intervenção, obtém-se muito…

Os fios e gatos desaparecem, as lajes verdes recuperam a topografia, devolvendo a paisagem para a cidade

Cada edificação existente ganha com a circulação coberta, com a paisagem preservada, com a segurança e o novo entorno. Mais que isso, agora livre do embate das intempéries, deixam de precisar dos telhados e ganham o vão útil até a nova cobertura. Os fios e gatos desaparecem, as lajes verdes recuperam a topografia, devolvendo a paisagem para a cidade, normatizando, sem perder a pluralidade, a riqueza conquistada pela ocupação paulatina, pelo processo de acertos e erros do contínuo afazer leigo, que permanece, ganhando uma nova dimensão cultural, agora cidadã.

Assim não há remoção ou recolocação, quem ali está fica e pronto. Minimizam-se os resíduos, posto que não se trata de demolir tudo para recomeçar do zero, ou cortar o existente acompanhando o solo para abrigar dutos. A demolição é mínima e o descarte ainda pode ser utilizado no próprio local. A escala permite a pré-fabricação e aqui há espaço de sobra para otimizar tudo, especialmente com o uso de Equipamentos Móveis de Recuperação Urbana, reutilizando agregados e reduzindo exponencialmente custos se a produção for abraçada pelo poder público, permitindo ainda agregar tecnologias verdes como coletores solares, reuso de água captada, etc…

Com mais um esforço mínimo de planejamento, integram-se as áreas comunitárias, as pequenas áreas de convivência e os raros vazios. E naturalmente o uso nas fronteiras com estes espaços se tornará mais utilitário, comercial, e portanto também mais susceptíveis à normatização e fiscalização. Quanto maior o vazio, tanto maior a fronteira e maior a oportunidade para a exploração comercial. Assim a especulação passa a contribuir para o desadensamento, invertendo a equação. E a interface entre dentro e fora ganha uma tendência positiva, provocando um círculo virtuoso.

Ganha a cidade, o cidadão, a municipalidade e até mesmo as concessionárias de serviços. É uma solução que oferece um atalho importante, permitindo fazer muito mais com muito menos, e muito mais rapidamente. E ainda transformando áreas por padrão problemáticas, em trechos ou retalhos qualificados no nosso tecido urbano, oferecendo novas oportunidades de mobilidade em pontos onde, via de regra, esta também é uma carência importante.

Autoria/créditos:

synarqs

Fonte: http://www.synapsis.org.br/tratamento-das-ocupacoes-em-encostas-2/

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