O arquiteto Fernando Forte analisa a carreira e a obra de Oswaldo Bratke

Precisão, entendimento do programa e preocupação com o bem-estar dos usuários marcaram profundamente os projetos e a carreira de Oswaldo Bratke, arquiteto de obras de elegância ímpar

Por Fernando Forte

Edição 204 - Março/2011

      Oswaldo Bratke 1907/1997 

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Mais de mil e trezentos projetos e um trabalho denso marcam a obra de Oswaldo Bratke, um dos arquitetos brasileiros mais completos. Filho de imigrante alemão, Oswaldo Bratke nasceu em Botucatu, cidade do oeste paulista, no início do século 20. Seu pai, proprietário de uma livraria-papelaria na cidade, observou que desde pequeno Oswaldo gostava muito de desenhar, e o incentivou, contratando um professor. O talento para o desenho seria um grande aliado de Bratke no futuro, especialmente para convencer os clientes de suas ideias, desenhando ao vivo soluções para seus questionamentos. Aos sete anos, Oswaldo mudou-se com sua família para a capital paulista e cursou seus estudos na escola Mackenzie. Durante o tempo de estudante trabalhou como desenhista para anúncios de filmes de cinema, figurinos e até como desenhista projetista para uma empresa de construções.

Em 1926, Oswaldo Bratke ingressou na escola de arquitetura do Mackenzie, criada apenas alguns anos antes pelo severo Cristiano Stockler das Neves. Na faculdade, travou amizade com alguns estudantes que seriam importantes em sua trajetória profissional e pessoal, como Carlos Botti, Oscar Americano, Américo Cápua e Jayme Rodrigues. Já durante a faculdade, Bratke despontava como talento arquitetônico: teve alguns de seus projetos publicados na revista de engenharia, recebeu um prêmio do curso pelo conjunto de seus trabalhos acadêmicos, e no final da graduação recebeu a medalha de ouro universitária do Congresso Pan-Americano de Arquitetura por dois de seus projetos (um balneário e um farol).

Mas a premiação mais marcante no primeiro estágio da carreira de Bratke foi o primeiro prêmio no concurso do viaduto Boa Vista, em São Paulo, enquanto estava se formando. Este prêmio garantiu ao arquiteto seu primeiro trabalho pós-formado, na Companhia Mecânica e Importadora, que construiu o viaduto. Um trabalho perfeito para um arquiteto recém-formado, principalmente em uma época de trabalho escasso por decorrência da crise de 1929. O viaduto Boa Vista foi um grande sucesso em sua época e considerado uma das principais obras de arte da cidade. A arquitetura art déco que Bratke utilizou em sua composição foi amplamente apreciada. É uma pena que o surgimento de edificações laterais obliterou parte do visual longilíneo do viaduto, tornando-o um tanto escondido na paisagem atual.

Bratke iniciou em 1933 uma profícua parceria com seu colega Carlos Botti, em uma empresa intitulada Bratke & Botti Engenheiros Arquitetos. A união com o amigo (Botti se formou um ano após Bratke) foi realizada para participarem de concursos, uma vez que o trabalho ainda era raro na recessão pós-revolução de 32. Juntos, participaram do concurso para o matadouro municipal de São Paulo, projeto com o qual receberam a segunda colocação, perdendo o primeiro lugar para uma companhia especializada que trazia um sistema estrangeiro inovador. Os arquitetos passaram uma semana dentro de um matadouro estudando seu funcionamento para entender as técnicas e o programa, de forma a poder propor a arquitetura mais adequada possível.

Este comprometimento com o programa é especialmente singular na obra de Bratke: o entendimento adequado do programa e das necessidades dos utilizadores de cada um de seus projetos era um dos aspectos que o arquiteto julgava mais importante em sua obra. Uma simples residência, por exemplo, deveria ser entendida de forma particular para tornar possível a correta proposição de uma arquitetura que abraçasse as características de cada cliente.

Bratke afirmava que a sensação de conforto e de lar que casa projetada dessa forma traria era muito mais importante do que qualquer trabalho imponente ou inovador. A novidade pela novidade sempre foi rechaçada pelo arquiteto. Qualquer intervenção diferente ou nova deveria ser fruto de uma melhoria, uma necessidade dos tempos modernos, das novas tecnologias ou específica do projeto em questão. O impacto não o interessava. Totalmente avesso a projetos-espetáculos, isso não o impediu de propor uma série de inovações, a tal ponto que no futuro teria uma relação muito estreita com a indústria civil e as novidades do mercado.

A parceria Bratke & Botti sofreu um pouco no início, mas com a ajuda do pai de Carlos Botti durante o primeiro ano de trabalho, prosperou. Juntos projetaram e construíram mais de 400 residências, especialmente no Estado de São Paulo, nos mais variados estilos. Os trabalhos eram bastante concorridos e os arquitetos sempre construíam seus projetos, além de projetá-los. Eram arquitetos-construtores e o preço do projeto acabava embutido no valor da obra, passando aos clientes a impressão de que o projeto era um brinde. O fato de realizarem centenas de trabalhos, do projeto ao final da obra da edificação, brindou Bratke com um conhecimento construtivo técnico inestimável, marcante em sua carreira.

Desse primeiro período, destacam-se a casa e ateliê na rua Avanhandava, em São Paulo, de 1947. Primeiro projeto realizado para o próprio arquiteto, possui soluções despretensiosas, mas nitidamente modernas, com o emprego de novos materiais industrializados que diminuíram o prazo da construção. A obra foi apresentada na revista norte-americana Arts & Architecture (promovedora das Case Study Houses) no ano seguinte, e provavelmente foi o primeiro projeto latino-americano a ser publicado nessa influente revista.

Apesar deste e de mais alguns trabalhos desse período, o pragmatismo era reinante no escritório da dupla de arquitetos. Na década de 1930 as mudanças, em especial para residências, eram extremamente difíceis e cada mínima inovação era um grande esforço para os arquitetos, demandando longas argumentações e exemplos concretos de soluções similares.

No final da década de 1930, Bratke conheceu e comprou um amplo terreno em um local da cidade conhecido até então como Chacára Morumbi. Pouco tempo depois, Oscar Americano, que confiava no talento do amigo para reconhecer bons locais, também adquiriu um local vizinho. Oscar Americano até recomendou ao então governador, Adhemar de Barros, que comprasse um local nas redondezas, onde a família Matarazzo havia edificado uma construção para ser uma universidade. O local acabou por abrigar, até hoje, o governo do Estado, e toda essa região seria palco de muitas obras de Oswaldo, assim como de seus filhos, também arquitetos, no futuro.

Ainda durante esse período, Bratke e Botti se envolveram com a urbanização do jardim do embaixador em Campos do Jordão, e rea­lizaram muitas obras nessa região. Tinham também, pouco antes, realizado a reforma do balneário de Santos, o que levou a assinarem diversos projetos na orla santista. Foi uma época bastante agitada para o escritório, com uma ampla gama de encomendas.

Em 1942, um trágico acidente aéreo colocou fim à parceria entre Oswaldo Bratke e Carlos Botti. Botti, um aviador amador, faleceu em um acidente com seu aeroplano. A partir desse ano, Bratke iniciou seu escritório independente - e em um primeiro momento chegou a ter um esgotamento nervoso ao tentar assumir o grande volume de trabalho do escritório sozinho. Mais tarde, decidiu realizar apenas projetos e se afastar das construções, decisão delicada naquele tempo. Rino Levi havia feito essa transição poucos anos antes e incentivou Oswaldo Bratke para que fizesse o mesmo.

Esse segundo período de sua vida profissional, independente e mais afastado do canteiro, é o de maior inventividade. Mais maduro como arquiteto e em um momento mais próspero na vida do País, o pós-guerra, Bratke começa a trabalhar traços modernistas e sua obra começa a ter uma identidade mais pronunciada. Oswaldo, em suas entrevistas, não cita uma influência direta, mas sabe-se que o movimento da costa oeste norte-americana, assim como obras de Breuer, Frank Lloyd Wright e Aalto, entre outros arquitetos, ajudaram-no a buscar uma linha investigativa particular.

Apesar do nascimento de uma arquitetura mais modernista por Oswaldo Bratke, a busca por uma arquitetura que trouxesse conforto e bem-estar a seus usuários continuava a mesma. O detalhamento de seus projetos era grande e as obras transcorriam sem problemas e quase sem a necessidade da presença do arquiteto no canteiro. Bratke era severo com seus construtores: sua placa iria para a obra apenas poucos meses antes de estar pronta, e caso a execução não estivesse a contento, o arquiteto não assinaria a obra.

No final da década de 1940 e início dos anos 1950, Bratke projetou residências relevantes para nossa arquitetura, como sua própria casa na chacára do Morumbi, a residência Oscar Americano (Atual Fundação Oscar Americano), e a casa na Rua Suécia. Estas obras, marcadas por uma estrutura racional, jogo de cheios e vazios, uso intensivo de fechamentos e cobogós diferentes, além de maravilhosas implantações são de raríssima sensibilidade arquitetônica. A elegância que Bratke atingiu nesses projetos é impar e atemporal.

Durante esse período, participou da urbanização da região Paineiras do Morumbi, e se envolveu cada vez mais com o tema, que culminaria, uma década mais tarde, em suas experiências para a Vila Serra do Navio e Vila Amazonas, no extremo norte do País.

Bratke passou a ser um arquiteto que não apenas desenvolvia uma arquitetura diferenciada, mas que também estava em contato com as novidades tecnológicas que chegavam ao Brasil, testando-as para a indústria. Em sua chácara do Morumbi montou construções experimentais nas quais testava novas soluções, técnicas construtivas e produtos novos da indústria.

Seus desenhos iam além do aspecto construtivo básico das edificações. Bratke utilizava seu vasto repertório e projetava divisórias, mobiliário embutido, caixilharia, e chegou até a propor uma pia móvel, sobre rodas. A flexibilidade interna das construções era uma das preo­cupações do arquiteto, e Bratke havia usado muitas dessas soluções para conseguir convencer clientes avessos a novidades a permitirem uma planta mais livre e fluida do que nas décadas anteriores. Os interiores, no entanto, nunca foram ponto focal do arquiteto: realizou partes dos interiores de alguns projetos, e respondeu por muitos designs de objetos e produtos nos projetos das vilas Serra do Navio e Amazonas. Em alguns casos, utilizou os serviços da Branco & Preto, a lendária loja de objetos modernos de seus colegas mais novos Ruchti e Aflalo.

Oswaldo Bratke chegou inclusive a ter um de seus projetos de caixilho (projetado para a Faculdade de Minas e Metalurgia da USP) utilizado por uma indústria, que passou a produzi-lo em série comercialmente. A indústria enviou uma caneta folheada a ouro para o arquiteto, à guisa de agradecimento e compensação pelo rapto da ideia.

Bratke sempre se preocupou com as características de conforto térmico de suas construções, como muitos bons arquitetos modernos. Seus croquis mostram as preocupações que estão tão em voga atualmente e recursos eficazes e simples que apenas recentemente alguns arquitetos passaram a utilizar.

O temperamento de Bratke sempre foi retraído, tímido. Provavelmente essa seja a razão de o arquiteto nunca ter dado aulas formalmente ou participado ativamente em palestras ou na exposição de seu trabalho. Entretanto, Bratke era bastante conhecido por todos os arquitetos desse efervescente período, e colega de muitos, como Salvador Cândia, Eduardo Kneese de Melo, Henrique Mindlin, Roberto Aflalo. Vilanova Artigas estagiou em seu escritório com Botti e, apesar de discordâncias políticas, considerava Bratke um mestre em resolver detalhes construtivos. Em 1951 Bratke assumiu, por dois biênios, a presidência do IAB-SP em um período difícil, durante a construção da sede. Apesar do temperamento tímido e a humildade que lhe era peculiar, Bratke costumava receber estudantes, colegas e professores para visitar seu ateliê e visitar suas obras em andamento.

Desse período, além das muitas residências, destacam-se a faculdade de Minas e Metalurgia da USP, a estação de trens de Ribeirão Preto, o Balneário de Águas de Lindoia, o edifício-sede da AACD e o edifício Renata Sampaio na Major Sertório, ambos em São Paulo.

Consideradas por muitos como o ápice de sua carreira, Bratke desenvolveu, durante a última metade da década de 1950, duas grandes comissões: as cidades mineradoras de Vila Serra do Navio e Vila Amazonas, ambas no Amapá. Verdadeiras ilhas urbanas no meio da selva amazônica, os polos urbanos deveriam ser quase autossuficientes.

O trabalho da construção das cidades foi especialmente minucioso e cuidadoso, condizente com o que Bratke sempre apregoou durante sua carreira: a busca arquitetônica não existia pelo espetáculo, mas pelo bem-estar do homem. A arquitetura bonita e elegante, com detalhes cuidadosos, garantiu que os conjuntos estejam em boa forma até hoje, apesar do clima hostil. Foi uma grande e intensa aventura: embora em uma escala pequena, a complexidade de soluções, que iam do urbanismo ao desenho de luminárias, do programa de toda a cidade até a implantação dos primeiros supermercados do Brasil, possuem assombrosa profundidade.

No início da década de 1960 o arquiteto, após conversas com sua família, decidiu se afastar do dia a dia dos projetos. Seus filhos, Roberto e Carlos (em homenagem ao falecido sócio Carlos Botti), já estavam formados como arquitetos e treinados. Segundo o patriarca da família, já era tempo de dar lugar a pensamentos novos, evitar qualquer tipo de desacordo ou de concorrência com os filhos, e assim Oswaldo Bratke se afastou das pranchetas que tanto amava. Passou, nesse momento, a prestar consultoria em projetos urbanísticos e não produziu mais edificações.

Nos anos de 1980, já com 81 anos, Oswaldo Bratke foi convidado pela família a projetar uma casa de praia, no Guarujá. O projeto demonstra a lucidez que o grande arquiteto ainda tinha, e manteve até seu falecimento, em 1995. Linhas simples, elegantes e belas, um exímio controle das proporções, aliadas a seu tradicional e incomparável uso dos elementos vazados marcam seu último projeto.

BIBLIOGRAFIA
Segawa, Hugo; Dourado, Guilherme. Oswaldo Artur Bratke. São Paulo, Pro Editores, 1997

Acayaba, Marlene. Residências em São Paulo; São Paulo, Projeto, 1985.

Depoimentos de Arquitetos Paulistas, São Paulo, IAB-SP, Editora PINI

AGRADECIMENTO
Fernanda Dias, Mônica Junqueira, Nelson Kon

Fernando Forte é arquiteto e urbanista formado em 2002 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e é sócio do escritório Forte, Gimenes & Marcondes Ferraz Arquitetos em São Paulo. Possui coluna periódica no UOL, contribui com a revista AU e com o portal Eye4Design.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/204/artigo-do-arquiteto-fernando-forte-traz-a-carreira-e-obra-211129-1.aspx

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