Patrimônios dispersos

Agência FAPESP - Claudia Izique

Estudo propõe novos critérios de identificação e preservação de bens materiais e imateriais em regiões metropolitanas

A dinâmica de desenvolvimento de grandes centros urbanos, a constituição de regiões metropolitanas e a intensa mobilidade da população têm colocado em xeque os conceitos tradicionais de patrimônio cultural – entendido como o conjunto de bens materiais e imateriais que conferem identidade e sentido de pertencimento a uma determinada comunidade.

“Em um município onde metade da população não é nativa, é difícil definir o que é patrimônio cultural e, tão complicado quanto, estabelecer o que deve ser preservado”, afirma Maria Cristina da Silva Schicchi, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).

A nova organização dos territórios, que se superpõe à sua formação original, notadamente a partir dos anos 1970, assim como a identificação de legados dessa história, é objeto da pesquisa A Região Metropolitana de Campinas e a proteção para patrimônios dispersos: contribuição à discussão de políticas públicas voltadas à proteção e valorização do patrimônio edificado das cidades paulistas , apoiada pela FAPESP no âmbito de acordo de cooperação com o Conselho Estadual do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).

Coordenada por Schicchi, a pesquisa foi realizada pelo Grupo de Pesquisa do Patrimônio Urbano e Arquitetônico das Cidades Paulistas da PUC-Campinas com o intuito de oferecer novas bases conceituais e metodológicas para a definição de critérios de seleção de bens culturais para fins de preservação.

Os pesquisadores elegeram como área de estudo a Região Metropolitana de Campinas, com cerca de 3 milhões de habitantes distribuídos por 20 municípios de médio e pequeno portes. “Escolhemos como piloto os municípios de Paulínia e Valinhos para uma primeira leitura do território, já que eles se formaram a partir de diferentes eixos de desenvolvimento da região metropolitana e tiveram processos distintos de formação de identidade”, ela explica. Na última fase, foram incorporados à pesquisa também os municípios de Cosmópolis, Artur Nogueira e Engenheiro Coelho.

Origem comum

Todas as áreas que hoje formam o território dessas cidades integravam Campinas ou municípios adjacentes, o mais importante polo produtor de café no Estado no século XIX. Os territórios de Valinhos e Paulínia, assim como os demais, abrigavam fazendas de cana e café. Emanciparam-se a partir de meados do século XX e, a partir daí, tiveram trajetórias distintas: Paulínia consolidou-se como polo petroquímico, enquanto Valinhos se especializou no turismo de lazer e na produção de frutas.

O tempo, as novas vocações econômicas, os novos perímetros geopolíticos e as migrações dissiparam memórias. “Em Valinhos, por exemplo, metade da população não é nativa. Assim, em uma perspectiva local, a pergunta que nos colocamos foi: preservar o quê e para quem?,” diz Schicchi.

A resposta a essa pergunta exigiu uma análise “mais complexa”, que ultrapassasse os limites municipais para enxergar a região, seu patrimônio disperso e sua história. “A leitura transversal do território permitiu identificar elementos comuns, constitutivos da identidade desses municípios com, por exemplo, a Estrada de Ferro Funilense e a Usina Ester, localizada no município de Cosmópolis”, ela diz.

Inaugurada na década de 1890, a Funilense era uma companhia privada, cujos trilhos corriam em paralelo aos das Companhia Paulista e Mogiana de Estradas de Ferro, escoando a produção da Fazenda Funil – incluindo a da Usina Ester – para o mercado de Campinas. Em 1904, foi incorporada pelo Estado e ampliada para ser utilizada como elemento de colonização. Em 1924, seu traçado foi incorporado ao da Estrada de Ferro Sorocabana, que teve seus trilhos retirados em 1960.

“Há uma história comum que relaciona esses municípios. A ferrovia não existe mais, mas deixou vestígios que podem, aí sim, ser inventariados para serem preservados”, afirma Schicchi.

Essa nova abordagem – que propõe a identificação de territórios culturais – implica que também a gestão do patrimônio histórico desses munícipios ganhe dimensão regional. “É relevante identificar as formas de operar e intervir sobre o território, por meio de instrumentos criados em várias instâncias de gestão, além da municipal”, sugere a pesquisadora.

No caso da Região Metropolitana de Campinas, por exemplo, essa iniciativa poderia ser intermediada pela Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp), responsável pelo planejamento e execução das funções públicas de interesse comum, estruturada a partir de 2004.

Schicchi lembra ainda que o recém-criado Estatuto da Metrópole – Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 –, que prevê dispositivos de intervenção em nível regional, poderá colaborar para o aprofundamento deste debate.

Fonte: http://www.asbea.org.br/escritorios-arquitetura/noticias/patrimonios-dispersos-346194-1.asp

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