Antonio Carlos Barossi: sua experiência de ensino da FAUUSP e um modelo de projeto de disciplina entre turmas

Por Mariana Siqueira

Edição 236 - Novembro/2013

Foto: Sofia Mattos

Professor em disciplinas de projeto de edificações na FAUUSP, escola onde se formou, desde 1989, e na Escola da Cidade desde 2004, Antônio Carlos Barossi tem uma relação de verdadeira devoção ao ensino de arquitetura. Ao menos, é o que podemos inferir de sua entusiasmada atuação como mestre e de sua tese de doutorado, Ensino de Projeto na FAUUSP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na qual, norteado pela convicção de que o aluno deve criar seu próprio caminho, afirma que professores e disciplinas são tão somente partes, ainda que fundamentais, de um contexto muito mais abrangente em que o estudante se insere para fazer seu aprendizado.

Aqui, Barossi conta um pouco de sua visão sobre o ensino e apresenta o Projeto Inicial, uma experiência didática de estúdio vertical levada a cabo durante alguns anos na FAUUSP, que, para ele, ilustra diversos aspectos importantes de como deve acontecer o aprendizado em arquitetura.

Sabemos que um bom projeto de arquitetura é aquele que responde às especificidades do contexto no qual se insere: não existem receitas pré-definidas. Nesse sentido, como é possível ensinar arquitetura?
No ensino de projeto, especificamente, temos uma habilidade a ser construída, não propriamente um conhecimento a ser transmitido: trabalhamos com conhecimentos de outras áreas. O que fazemos é criar um contexto de relações humanas, relações institucionais e referências onde, se o aluno se inserir, ele aprende. Isso não quer dizer que 'eu' ensine para ele, mas que, imersos no contexto adequado, podemos construir habilidades juntos. Tem de haver essa troca no processo: eu sei que um curso foi bom quando eu aprendi também.

Em sua tese de doutorado, você diz que o ingresso na universidade significa uma ruptura em relação ao ensino médio no qual o aluno é tratado como objeto, para o universitário em que a condição para o aprendizado pleno é que ele seja o sujeito. Qual passa a ser, então, o papel do professor?
Em primeiro lugar, ser uma referência em termos de tempo de profissão - o professor tem mais experiência de trabalho, o que, por si só, já estabelece um diferencial interessante. Além disso, é o professor quem coordena a criação desse contexto onde o aluno se insere para aprender: é ele quem estabelece o objeto de trabalho, as etapas do projeto, a bibliografia, as palestras, o conjunto de referências iniciais... Ele também é responsável por ajudar a definir quais são as questões que o estudante tem de decidir para poder começar a trabalhar, além de olhar e pontuar o que está sendo feito.

Que dicas você daria aos jovens professores de arquitetura?
Há duas coisas que considero importantes. Em primeiro lugar, quanto mais o assunto tratado, em uma disciplina de projeto, tiver relação com a realidade da cidade em que se vive, tanto melhor. O aprendizado é mais efetivo quando o aluno sente que aquilo que ele está fazendo é parte de um processo de construção de conhecimento que se insere em uma realidade maior, indo muito além da mera simulação. Isso não quer dizer, no entanto, que ele deva fazer projetos reais. Pelo contrário: acho que o projeto acadêmico não é para ser construído, já que a condição para que ele se constitua como um trabalho acadêmico é justamente a autonomia.

A outra coisa é o fato de que a maneira como eu enxergo o estudante - mesmo sem conhecê-lo - ajuda a constituir o que ele é. Por isso, tenho de olhar para ele, em minhas atitudes, em minha confiança, em minha expectativa, como uma pessoa capaz, consciente e adulta, que quer estar lá, que deseja aprender arquitetura e que vai fazer coisas boas: é um jeito de fazer com que ele seja um pouco assim.

PROJETO INICIAL

O Projeto Inicial foi uma experiência didática de iniciativa do Grupo de Disciplinas de Projeto de Edificações da FAUUSP que reunia todos os alunos matriculados em suas disciplinas - cerca de 600 estudantes, de diversos anos, criando o chamado estúdio vertical - para desenvolver um trabalho de curta duração, entre duas e quatro semanas. O Projeto Inicial inaugurava, assim, o ano letivo de uma forma intensa e dinâmica, buscando imprimir ritmo e entusiasmo aos meses que estavam por vir. Após esse trabalho, as disciplinas retomavam sua programação específica a partir da problemática colocada.

A formulação do tema contava com a participação dos estudantes e tinha sempre o enfoque em questões urbanas e sociais prementes relacionadas a áreas urbanas e edificações de uso público na cidade de São Paulo. Quando concluído, o Projeto revelava as reais condições do conjunto de alunos da escola na sua capacidade de realização de projetos, o que permitia aos professores balizar os cursos no decorrer do ano.

O Projeto Inicial funcionou de 2000 a 2005 na FAUUSP e surgiu, primeiramente, de uma dificuldade: a aposentadoria de vários mestres, que desfalcou o grupo de disciplinas de Projeto de Edificações tanto na quantidade quanto no referencial de conhecimento e experiência. "Foi uma maneira de resgatar a coesão e a capacidade do grupo de fazer frente a uma relação professor-aluno que em alguns casos chegava (e ainda chega) a um professor para 40 ou até 50 alunos", comenta Barossi.

Disciplinas de outras áreas e departamentos, no entanto, não puderam abrir mão da sua programação e a experiência ficou restrita às disciplinas de Projeto de Edificações. "Isso, de certa forma, acabou por sufocar a proposta, já que sua essência pressupunha a diversidade constituída pelo conjunto da escola ou ao menos do departamento de projeto", lamenta Barossi. A proposta chegou a receber verba da reitoria para a compra de equipamentos e contratação de bolsistas para a elaboração do site. "Apesar disso, a impossibilidade de ter uma maior diversidade de conhecimentos com a participação das outras áreas, a camisa de força da estrutura curricular que favorece a compartimentação, o desconforto causado pelo engajamento de estudantes que utilizavam o tempo das outras disciplinas e o esforço necessário somente com os professores do grupo, levaram à descontinuidade da experiência em 2006." Em 2014, no entanto, está prevista uma alteração na grade curricular do departamento de projeto - uma boa oportunidade para o Projeto Inicial voltar.

Para Antônio Carlos Barossi, um dos exemplos mais emblemáticos do Projeto Inicial foi o do ano de 2004, quando a área de projeto foi à Foz do rio Tamanduateí. "Na época, o Parque do Gato, na foz do Tamanduateí, era um assunto na pauta: um conjunto habitacional feito por arquitetos conhecidos com uma tipologia diferente do tradicional "H", uma favela sendo removida para construção de uma ponte estaiada no melhor estilo rodoviarista, a questão das águas e dos rios, a importância e o caráter simbólico do rio Tamanduateí na formação e na história de São Paulo", lembra Barossi. O programa, a relação de professores e estudantes envolvidos, o conjunto de referências e os trabalhos das 60 equipes participantes podem ser encontrados no site www.usp. br/fau/projetoinicial2004.

BASES

A apresentação das bases do projeto era feita na internet e compreendia mapas, levantamento planialtimétrico, aerofotos, fotos do local, textos teóricos sobre o tema, bibliografia e referências de projetos significativos que pudessem contribuir para a produção do trabalho, criando uma visão de conjunto. Devido à curta duração do Projeto Inicial, a preparação das bases tinha de ser muito bem feita e estar completamente concluída antes do início do ano letivo.

ORIENTAÇÃO

Excepcionalmente, o Projeto Inicial não contava com um atendimento direto entre professores e alunos: a orientação era feita na forma de uma série de palestras sobre o tema com professores, arquitetos, urbanistas, engenheiros, profissionais e pessoas ligadas ao assunto, que instrumentalizavam os alunos para a tomada de decisões em seus projetos.

APRESENTAÇÃO

Além de fazer o upload do resultado final no site do trabalho, os alunos podiam conhecer a totalidade da produção com uma ampla exposição de painéis nos estúdios da Faculdade, além de uma apresentação para datashow que servia como apoio a um grande seminário, ao final do processo.

PRODUÇÃO

Alunos de anos diferentes trabalhavam juntos, favorecendo uma atitude natural, que é a de conversar com os colegas. Para Barossi, esse enfoque reforça o que há de fundamental na profissão do arquiteto: aprender a olhar para o outro. O aluno é levado a instruir- -se a partir dos trabalhos dos colegas e também a desenvolver formas de comunicar suas ideias de maneira eficiente. Os estudantes postavam sua produção no site do projeto durante o processo e as páginas tinham espaços para comentários, fomentando a troca de ideias. Enquanto isso, o prazo exíguo exigia dos alunos capacidade de dar respostas rápidas.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/236/plano-de-aula-301103-1.aspx

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