O papel do arquiteto em projetos interdisciplinares

Sustentabilidade, conforto, eficiência, acessibilidade, segurança - essas e outras demandas estão cada vez mais presentes em projetos de arquitetura que se pretendem completos. Enquanto isso, o profissional se vê em uma nova situação, que exige uma postura diferente e lhe impõe formas de inserção e de atuação mais integradoras. O arquiteto com competências como liderança e disposição para o trabalho coletivo é valorizado pelo mercado. "A arquitetura tradicionalmente exige o trabalho em equipes multidisciplinares com arquitetos, calculistas e engenheiros. Mas hoje é preciso ter respostas ainda mais complexas a problemas interdisciplinares, que rompem a barreira do conceito que deu origem ao termo arquitetura, que rompem com a fragmentação do conhecimento", analisa Pedro Paes Lira, responsável pelo escritório espanhol ACXT no Brasil e coordenador e arquiteto no Projeto para Desenvolvimento de Ecoturismo na Mata Atlântica, para incrementar a economia da região a partir da estruturação de unidades de negócio em parques estaduais em uma equipe composta por arquitetos, designers, historiadores e economistas.

MULTI, INTER E TRANSDISCIPLINAR
O arquiteto, comumente acomodado em seus domínios, vem sendo obrigado a abandonar sua zona de conforto para trabalhar sob plataformas não apenas multidisciplinares, como também interdisciplinares e transdisciplinares. A multidisciplinaridade se refere a disciplinas trabalhadas simultaneamente, porém separadamente, sem que uma interfira na configuração da outra. A interdisciplinaridade ocorre quando várias disciplinas interagem e atuam em torno de uma solução comum. Já a transdisciplinaridade prevê um pensamento mais complexo, já que cada disciplina passa a interferir na outra formando um conjunto impossível de ser separado.
 
Áreas de trabalho
Graças à sua formação abrangente e de base humanística, o arquiteto pode emprestar seus conhecimentos a uma série de atividades que transcendem a área de edificações e de planejamento urbano. A arquiteta Mariana Toledo, consultora da Agência 21 - empresa que desenvolve e aplica modelos de gestão para sustentabilidade -, vê oportunidades, por exemplo, na área social, de transportes, de infraestrutura e de sustentabilidade urbana. "A visão ampla faz com que arquitetos estudem problemas de várias dimensões sejam elas física, social, técnica ou econômica", comenta.
PROFISSIONAIS PREPARADOS
Mas os profissionais, de forma geral, não estão preparados para atuar nesse ambiente mais complexo. A universidade raras vezes estimula a interação com profissionais de outras disciplinas. "Até mesmo com as disciplinas diretamente ligadas ao fazer arquitetônico o conceito de multidisciplinaridade é pouco aplicado", lamenta Pedro. "O processo de projeto é antes de tudo um processo de negociação e gestão de conflitos entre diferentes agentes, função para a qual os arquitetos não foram suficientemente preparados na academia", acrescenta a arquiteta Maisa Veloso, professora-associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Para Maisa, a diminuição da importância relativa dos profissionais de arquitetura e urbanismo na tomada de decisões dos projetos da cidade e de seus edifícios não deixa de ser uma consequência disso. "Ainda que as decisões formais-espaciais dos projetos de arquitetura e urbanismo permaneçam sob responsabilidade dos arquitetos, cada vez mais a coordenação global dos projetos é atribuída a profissionais da área de gestão, legisladores, engenheiros civis, ambientais ou de produção", afirma Maisa. Segundo a professora, ampliar e melhorar a atuação dos arquitetos em projetos multidisciplinares passa por uma formação mais qualificada, especialmente em relação à gestão de processos de projetos, e por uma maior abertura ao diálogo e a inovações. "Ainda temos reticências quanto a mudanças nos modos de atuação profissional, o que inclui trabalhos em equipes intra, inter e multidisciplinares. Mas isso pode ser perfeitamente praticado e apreendido", acredita.

DECISÕES DEMORADAS
Por depender de muitos profissionais, uma decisão que se tomaria em um dia pode levar semanas. Isso não significa, no entanto, perda de tempo - a decisão final pode ser muito mais eficiente e evitar mudanças futuras, por exemplo. Mariana Toledo integrou uma equipe formada por profissionais de áreas bem diversas - arquitetos, assistentes sociais, geógrafos, psicólogos, economistas, designers, engenheiros, advogados e a própria comunidade - no PAC-Urbanização de favelas da Rocinha, do Complexo do Alemão e de Manguinhos, projetos do Governo do Estado no Rio de Janeiro. O trabalho consistia na elaboração de planos de desenvolvimento sustentável participativos para as comunidades e se baseava em reuniões comunitárias, atividades de pesquisa, elaboração de plantas, análise de censo domiciliar e pesquisa com organizações sociais locais. "Por se tratar de um projeto multidisciplinar, o processo decisório e a elaboração de conteúdos eram mais demorados em função da combinação dos diferentes saberes. E por conta do projeto ser participativo, era constante a necessidade de revisão de metodologia em função das demandas da comunidade". Mas o resultado final foi um projeto que respeitou as necessidades de cada lado - e, principalmente, dos moradores.

COMO INTEGRAR
"Em projetos multidisciplinares, se as disciplinas não estão bem sintonizadas entre si, o fator humano passa a ser uma questão predominante nas discussões, e todos só têm a perder com isso", analisa Lourenço Gimenes, da FGMF, que trabalhou em conjunto com a empresa de design Epigram Group no desenvolvimento do projeto das Casas Natura (AU 189), uma construção pré-fabricada replicável para a empresa de cosméticos. Para Lourenço, o ideal é se sentir parte de uma engrenagem, não pensar em ser um integrador que organiza tudo. "Especialmente em projetos mais complexos, os arquitetos tendem a acreditar que essa posição de agregador os torna mais importantes do que os demais partícipes. Mas se não soubermos dosar a própria vaidade, arriscamos comprometer o desempenho do projeto como um todo. Afinal, todos são rodas fundamentais da engrenagem", lembra. Engrenagem formada por muitos elementos. No caso do projeto da Natura, arquitetos, engenheiros, designers, equipes de branding e visual merchandising, consultores em certificação ambiental, além de diversos profissionais da própria Natura tomaram decisões em conjunto - e que influenciavam o trabalho de diferentes profissionais.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/199/exercicio-profissional-187553-1.aspx

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